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    Matias Spektor

    Fim do consenso

    07/01/2016 02h00

    Este ano completamos três décadas de democracia ininterrupta, o mais longo ciclo do gênero em nossa história.

    O processo começou sofrido: entre 1985 e 1993, a sociedade amargou um fracasso atrás do outro. A partir de 1994, porém, o país pegou no tranco.

    A chave que destravou o progresso foi a construção de um consenso fundacional entre as elites governistas. Lento e cheio de conflitos, o consenso terminou desenvolvendo raiz profunda.

    Era um bicho de cinco patas: (1) Política macroeconômica para acabar com a inflação mesmo quando o emprego, o crescimento e o gasto público sofressem. (2) Política social para erradicar a pobreza extrema, na cartilha do Banco Mundial. (3) Centralização das políticas públicas em Brasília e o fim da farra fiscal dos governadores. (4) Construção de coalizões governistas gigantescas (porque a indisciplina e as defecções são inerentes à base aliada). (5) Política externa talhada para regionalizar o capitalismo brasileiro na América do Sul, por meio de grandes obras e do crédito à aquisição de ativos no exterior.

    Aquele consenso produziu vitórias eleitorais em 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010. No período, restaurou o otimismo no país porque o brasileiro passou a viver melhor. Do consumo diário de proteínas ao acesso ao crédito bancário, da mortalidade infantil à posse de telefones, da possibilidade de viajar de avião a contar com água tratada em casa, o cidadão ganhou.

    Políticos de corte populista, cujo êxito dependia de hiperinflação e irresponsabilidade fiscal, começaram a lutar para sobreviver. Perdeu o atraso, ganhou o progresso.

    Houve áreas em que o consenso não pegou. A luta contra a violência que resulta em estatísticas análogas às de uma guerra civil. A reforma para reduzir a fragmentação do sistema partidário. O combate à corrupção endêmica. A facilitação do acesso à Justiça. Nessas áreas, quando houve avanço, a liderança não foi da classe política, mas resultado da pressão popular ou da sociedade civil organizada.

    De lá para cá, o consenso se desfez. Suas fissuras originais se alargaram sem chance de reversão.

    O mensalão e o petrolão expuseram o método para gerir a base aliada. A "nova matriz econômica" enterrou o consenso sobre a inflação e o gasto público, jogando no chão ainda o princípio da responsabilidade fiscal. Lava Jato, Odebrecht, Petrobras e BNDES minaram o consenso por trás da diplomacia regional. A política social do consenso ficou sem fonte de financiamento.

    O próximo ciclo virtuoso demandará um novo consenso suprapartidário. É obra para muitos anos. Feliz ano novo e mãos à obra.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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