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    Matias Spektor

    Diplomacia do mosquito

    28/01/2016 02h00

    A voracidade do vírus da zika transformou o Brasil no epicentro da mais recente crise de saúde pública internacional.

    Em menos de um ano, passamos de zero registros à identificação do vírus em 18 Estados. Os número de bebês com microcefalia subiu de 150 para 4 mil, no mesmo período. A crise nasceu em casa, mas já atravessa fronteiras com rapidez. O principal assessor da Casa Branca para o tema chamou-a de "pandemia".

    Há bons motivos para o susto. O hemisfério já viveu crises similares de febre amarela, dengue, malária e encefalite. Mundo afora, os mosquitos matam mais gente que qualquer outro inseto ou animal. Causando 725 mil mortes por ano, os mosquitos superam até a carnificina das guerras causadas pelos próprios homens.

    No entanto, as epidemias passadas também apontam o caminho de possíveis soluções. Lidar com o zika demandará uma combinação dos quatro princípios básicos que foram exitosos no passado: tecnologia de diagnóstico, desenvolvimento de vacina, informação pública em tempo real e combate incessante ao mosquito.

    Não será fácil, pois tudo indica que uma vacina contra o zika pode demorar de três a cinco anos para ser elaborada, e o sistema brasileiro de saúde enfrenta sérias dificuldades próprias. Nesse contexto, poucas coisas ajudariam mais o Brasil a lidar com o problema do que a obtenção de ajuda internacional significativa. Isso, porém, demandará a criação de uma diplomacia do mosquito. Por quê?

    No ritmo atual, a expansão territorial do vírus tende a levar a Organização Mundial da Saúde a criar um comitê de emergência. Tal passo desencadearia medidas de vigilância, controles e restrições capazes de facilitar o trabalho das autoridades em Brasília. Ou de dificultá-lo.

    Além disso, países como Estados Unidos e Reino Unido já recomendam a seus cidadãos que posterguem viagens ao Brasil, medida de impacto econômico certeiro no ano dos Jogos Olímpicos no Rio. Modificar tal situação é possível, mas demandará intenso trabalho diplomático de bastidor.

    Por fim, estão os Estados Unidos. O presidente Barack Obama convocou seu Conselho de Segurança Nacional para discutir o zika anteontem, ao passo que a fundação de Bill Gates começa a investir no assunto. Juntos, Obama e Gates vão criar as condições para uma campanha internacional pela erradicação do zika. Eles podem ser grandes aliados da causa brasileira –se Brasília tiver os instrumentos para participar do jogo.

    Assim como o Aedes aegypti pode facilitar uma coalizão internacional possante, pode criar um enorme constrangimento externo para o governo brasileiro. Precisamos de uma boa diplomacia do mosquito para impedir o mau desfecho.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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