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    Matias Spektor

    Para rir ou chorar

    03/03/2016 02h00

    A Colômbia está prestes a assinar o acordo de paz mais importante da história recente da América do Sul. A negociação envolveu trabalho intenso entre Bogotá e as Farc, Havana e Caracas. O impacto positivo será sentido em toda a região.

    A diplomacia brasileira vai celebrar o feito histórico. Os detalhes da celebração, no entanto, estão longe de ser triviais. Afinal, o Brasil foi um dos principais opositores ao processo, ora remando na direção contrária, ora lavando as mãos.

    Acontece que a paz é resultado do enfraquecimento militar das Farc. E quando Bogotá iniciou as operações de guerra, Brasília denunciou a ofensiva aos quatro ventos.

    Não era capricho, mas puro cálculo. Temia-se que a militarização enquistasse tropas americanas na vizinhança. Temia-se desestabilizar uma fronteira que não controlamos. E temia-se o impacto desconhecido sobre o narcotráfico, cuja economia é essencial para alguns vereadores, prefeitos e governadores brasileiros em áreas da fronteira. A Colômbia era um vespeiro gigantesco.

    Sem apoio brasileiro, Bogotá seguiu adiante. Quando Brasília lhe negou cooperação militar e de inteligência, ela foi em direção a Washington com o pé no acelerador.

    A guerra produziu graves abusos de direitos humanos e, como os críticos previam, a ofensiva militar não acabou com o narcotráfico. A cocaína colombiana ficou mais barata e de melhor qualidade, movida pelo vibrante mercado consumidor internacional. A guerra, porém, teve efeito devastador sobre as Farc, forçando-as a negociar a paz.

    Brasília foi obrigada a mudar a toada, adotando medidas modestas. O Planalto ofereceu ajuda para uma operação de resgate e autorizou uma venda de aviões de guerra. Ajudou a eliminar minas terrestres e promoveu projetos de agricultura familiar. Lula tentou facilitar as negociações com as Farc, numa iniciativa que não decolou.

    Dilma recebeu e visitou o colega colombiano, mas manteve distância do processo de paz. O tema sequer apareceu no discurso brasileiro de abertura da assembleia geral da ONU, apesar de ser nosso principal conflito regional.

    Quando as partes do processo levaram o acordo ao Conselho de Segurança da ONU para blindá-lo contra opositores radicais, ouviram-se resmungos brasileiros de bastidor. Temia-se pôr a vizinhança na pauta das grandes potências.

    Agora que está sendo criada uma missão de acompanhamento do processo de paz, ouve-se hesitação do lado brasileiro. Há quem defenda envolvimento apenas se ao Brasil for garantido protagonismo na empreitada. Caso contrário, seria melhor ficar de fora.

    Perguntei a um negociador colombiano o que achava disso tudo, ao que ele respondeu: "É para rir ou chorar?"

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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