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    Matias Spektor

    Radiações do Brasil

    07/04/2016 02h00

    Um dos pilares geralmente esquecidos ou ignorados da "Nova Matriz Econômica" ensaiada por Lula e Dilma é o crédito subsidiado e as facilidades oferecidas à indústria nuclear. É difícil quantificar o volume de recursos públicos usados para esse fim com exatidão, mas o número está na casa dos bilhões de dólares.

    O investimento mais pesado foi destinado para a construção da usina de Angra 3, a criação de um parque industrial para o enriquecimento de urânio em Resende (RJ) e a construção de um submarino de propulsão nuclear, projetos turbinados por laços cada vez mais conhecidos entre governo, empreiteiras e outros grupos empresariais.

    O modelo não foi o de sair à caça de mercados externos para a tecnologia nuclear desde o início, como o fez a Argentina da época com êxito. Pelo contrário, o governo injetou recursos no mercado interno, seguindo a tese segundo a qual contas dessa magnitude teriam força para inaugurar no Brasil um possante complexo industrial-nuclear.

    Assim, a política nuclear adotou regras de conteúdo nacional análogas àquelas impostas à Petrobras.

    Quando a Odebrecht obteve contrato e crédito facilitado para construir o submarino nuclear, por exemplo, esperava-se que esse fosse o ponta pé inicial para a criação de uma indústria naval controlada por grandes empresas nacionais.

    As iniciativas foram tocadas a todo vapor, tal qual ocorreu com outras obras de grande porte, como Jirau e Belo Monte. Um exemplo é Caetité, mina de urânio do sul da Bahia. Sua operação durante a década de 2000 é uma história de batalhas por licenciamento ambiental e de fricções entre as autoridades responsáveis e Ministério Público, IBAMA, Tribunal de Contas da União e sistema nacional de saúde.

    O governo criou uma diplomacia própria para defender e promover essa retomada de investimentos mundo afora, coisa que não se via em política externa desde a década de 1970.

    Hoje, as ambições nucleares do lulismo parecem chegar ao fim. O crédito subsidiado secou por causa da recessão, e a união entre tecnocracia e empreiteiras quebrou-se sob o peso da operação Lava Jato.

    O resultado é desolador: as obras de Angra 3 paralisadas, a indústria de extração de urânio nas cordas, o submarino com prazos e custos incertos, e o presidente da Eletronuclear atrás das grades.

    Ninguém sabe ao certo se ou quando as coisas mudarão.

    A última vez que algo similar ocorreu, o programa nuclear ficou às moscas durante mais de uma década, a um custo enorme para o contribuinte.

    Caberá aos próximos governos definir uma nova história.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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