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    Matias Spektor

    Serra chanceler

    05/05/2016 02h00

    O senador José Serra poderá ser nomeado ministro do Exterior num eventual governo Temer. Depois de 13 anos de PT, é um sinal inconteste das ambições mudancistas do vice-presidente.

    Serra possui as credenciais para o cargo. Além de ser um crítico da diplomacia lulista, no passado ele liderou a iniciativa brasileira mais ambiciosa e bem sucedida de questionar e reformar o ordenamento internacional: a quebra de patentes de remédios. Aquela negociação mudou para sempre a relação das grandes farmacêuticas com países em desenvolvimento. Se tem alguém qualificado para chacoalhar a política externa depois de 13 anos de PT é ele.

    No entanto, a eventual ida de Serra para o Itamaraty terá profundo impacto sobre a condução da política externa. Afinal, ele seria o primeiro chanceler com peso político próprio em muito tempo.

    A última vez foi há um quarto de século, quando o senador FHC foi chanceler do presidente de transição Itamar Franco. Aquela conjuntura era tão peculiar que FHC terminou ganhando ascendência política sobre Itamar, cacifando-se para virar seu ministro da Fazenda e, na sequência, consagrar-se como candidato oficial à sucessão.

    Não será assim com Temer e Serra, que têm uma relação mais igualitária e podem vir a desenvolver competição intensa até outubro de 2018. Esse equilíbrio tenso entre presidente e chanceler, se ocorrer, determinará os rumos da diplomacia brasileira neste período transitório.

    Cada decisão do chanceler será medida pela régua da competição com o Palácio do Planalto. Cada pedido de orçamento ao ministério do Planejamento para tirar o Itamaraty da dramática crise financeira em que se encontra, também. O mesmo vale para os passos que o chanceler tentará dar para reorientar a política externa do país.

    Tem como algo assim dar certo? Claro que sim. Barack Obama e Hillary Clinton eram competidores brutais e amargos inimigos pessoais antes de virarem presidente e chanceler, numa convivência artificial, porém eficaz, que lhes permitiu acumular sucessivos êxitos na área externa. Apostaram na confiança interpessoal como blindagem contra eventuais acidentes de rota, e funcionou.

    Nos últimos dias, Temer e Serra sentiram na pele os riscos potenciais de seu relacionamento ficar à mercê da intriga, que é o pão cotidiano de Brasília. Lançou-se no mercado de apostas que Serra levaria consigo para o Itamaraty o portfólio de comércio exterior de outro ministério. Como proposta, a ideia é questionável e de difícil execução. Como balão de ensaio, é o tipo de informação bem plantada que pode ganhar a força necessária para levar a pique um relacionamento que nem sequer começou.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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