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    Matias Spektor

    Jogo aberto de Serra

    19/05/2016 02h00

    Vem aí a mais intensa inflexão de política externa dos últimos anos. Na tarde desta quarta (18), Serra deu o pontapé inicial. O novo chanceler prometeu uma guinada decididamente anti-PT. Para além disso, porém, o destino da diplomacia deste governo permanece incerto.

    O motivo é simples: não é fácil embicar a política externa para a direita. Quando o tema é a política por trás da diplomacia brasileira, a clivagem central não se dá entre esquerda e direita, mas entre nacionalismo conservador e cosmopolitismo progressista. E aqui, o quadro se complica. Ambas as vertentes têm adeptos à esquerda e à direita.

    O nacionalismo conservador encontra expressão nos partidos nanicos do baixo clero, no DEM, em grupos do PMDB, do PSDB e até mesmo em setores influentes do PT. Essa é a turma mercantilista em temas comerciais e ufanista nos valores. É quem prefere menos compromissos internacionais e mais protecionismo. É quem luta contra qualquer tipo de norma internacional capaz de limitar a autonomia do governo de plantão. É quem vê nas potências estrangeiras um interesse constante em manter o Brasil enquistado em seu atraso.

    O cosmopolitismo progressista também tem expoentes no petismo, mas tem mais força no PV, no PSOL e, à direita, em boa parte do tucanato. Aqui a concepção de mundo é internacionalista: as relações exteriores são concebidas como instrumento para combater o próprio atraso e o que resta de entulho autoritário. A prioridade desta turma é adequar o Brasil às principais normas internacionais de cunho modernizante, mesmo quando tais compromissos limitam a autonomia dos governantes.

    Assim como seus antecessores, Serra irá conduzir sua política externa no espaço contido entre o polo do nacionalismo conservador e o polo do cosmopolitismo progressista. Ele ainda não disse para onde vai apontar sua mira.

    Serra poderá embarcar em negociações comerciais de olho nos interesses protecionistas mais influentes em Brasília ou de olho nos interesses difusos da maioria mais pobre do eleitorado.

    Ele poderá descartar compromissos internacionais na área de combate à corrupção para não jogar mais lenha na fogueira da Lava Jato ou fazer desses compromissos uma alavanca para reformar a relação entre Estado e empresa privada no país.

    Serra poderá embarcar na diplomacia da "guerra às drogas" seguindo o modelo da Polícia Militar de São Paulo ou adotar uma diplomacia antitráfico calcada na experiência recente de governos de direita na Europa e na América Latina.

    O fato de este governo ser de direita não predetermina a política externa. O jogo acaba de começar e está totalmente aberto.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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