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    Matias Spektor

    Eleição de Trump ameaça interesses fundamentais do Brasil

    04/08/2016 02h00

    Eric Thayer/Reuters
    Republican U.S. Presidential nominee Donald Trump attends a campaign event at Briar Woods High School in Ashburn, Virginia, U.S., August 2, 2016. REUTERS/Eric Thayer ORG XMIT: ET423
    O candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump

    Se você frequentou Brasília e São Paulo nesses últimos dias, terá assistido ao nascimento de um consenso tácito a respeito de Donald Trump na nossa classe governante. Todos sabem se tratar de personagem vulgar, mas quase ninguém enxerga ameaça a interesses brasileiros.

    Tal tese combina três argumentos. Primeiro, Trump estaria apelando para a retórica incendiária com vistas a derrotar uma rival mais poderosa. Como as falas de um candidato nunca são sinal inequívoco de suas intenções futuras, o público conheceria o verdadeiro Trump só depois de empossado.

    Segundo, Trump seria mais cordato que boa parte dos candidatos republicanos. Afinal, ele concorda com a provisão de acesso universal ao serviço de saúde, pretende manter o acordo nuclear de Obama com o Irã e guarda distância da bancada evangélica radical. Nos meses de campanha, ele apenas estaria fazendo política como faz negócios: começa apresentando uma posição absurda a seu interlocutor para assustá-lo e, na sequência, recua até achar uma solução de compromisso. Não seria demência, mas estilo.

    Terceiro, a candidatura de Hillary Clinton longe estaria de ser livre de problemas para o Brasil. Uma virada protecionista sob tutela do Partido Democrata não pode ser descartada, e a Casa Branca pode promover novas intervenções militares no exterior (o uso recorrente da guerra foi um elemento central do governo de Bill Clinton).
    Sem dúvida, há verdades nisso tudo. Mas uma vitória de Trump traz risco sério para o Brasil.

    O nacionalismo antiglobalizante do candidato é mais profundo e sério que eventuais medidas protecionistas de um governo Clinton. Quando o Brasil mais precisa de uma economia mundial aberta, um fechamento patrocinado pelo governo americano seria desastroso o suficiente para descarrilhar a agenda de reformas do governo Temer e de seu sucessor.

    Além disso, Trump tem emitido sinais que geram incerteza em Berlim, Moscou, Pequim, Seul e Tóquio. Uma eventual vitória do republicano nas urnas tenderia a acirrar a competição geopolítica na Europa e na Ásia e a criar fricções cujo resultado ninguém conhece. Isso seria péssimo para o Brasil, cujo bem-estar depende de um ambiente global previsível. A proteção dos Estados Unidos a seus aliados naquelas regiões do mundo é fundamental para nós (basta lembrar que o contribuinte brasileiro não precisa custear escoltas de fuzileiros navais cada vez que a Vale despacha um barco cheio de minério de ferro para a China porque o contribuinte americano arca com os custos da livre navegação).

    A poucos meses das eleições americanas, nossa classe governante precisa pensar de novo.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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