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    Matias Spektor

    Na Índia e no Japão, Temer redefine os compromissos internacionais de Dilma

    20/10/2016 02h00

    Beto Barata/Presidência da República
    Tóquio - Japão, 19/10/2016. Presidente Michel Temer durante encontro com Sua Majestade o Imperador Akihito. Foto: Beto Barata/PR ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Temer reúne-se com o imperador do Japão, Akihito (dir.); encontro durou 28 minutos

    Michel Temer iniciou na Ásia o que deveria ser a guinada geopolítica mais relevante de seu mandato: o ajuste da postura brasileira diante dos Brics.

    O grupo Brics representa hoje nosso maior compromisso de política externa. Entre dotações para o banco criado pelo clube e arranjos de contingência, a conta brasileira chegará a US$ 28 bilhões. Parte disso retorna na forma de investimento produtivo e parte abre um valioso espaço de atuação internacional para o Brasil. Os Brics ainda permitem a Brasília ter algum acesso a Pequim, capital sobre a qual sempre padecemos de um profundo deficit de atenção.

    Acontece que os Brics também são um foro onde a China expressa sua hegemonia. Nossa dependência do comércio e do investimento chinês é tal que o grupo termina sendo um canal privilegiado pelo qual Pequim exerce pressão em Brasília.

    A situação piorou bastante a partir de 2011, quando a China decidiu transformar os Brics num escudo contra as críticas generalizadas a suas práticas predatórias na África. Com esse fim, os chineses apostaram na criação do banco dos Brics (que controlam) e forçaram a barra para garantir o ingresso da África do Sul ao clube. Esse movimento matou o Ibas, iniciativa na qual Brasil, Índia e África do Sul marcavam suas diferenças em relação a russos e chineses.

    À época, Dilma seguiu a China a reboque. Afastou-se do Ibas a ponto de faltar à cerimônia pelos dez anos de sua criação. Quando países africanos de língua portuguesa reclamaram da mão dura chinesa, o Planalto fez ouvidos moucos, faltando também a seus encontros.

    De quebra, por duas vezes consecutivas Dilma cancelou viagens ao Japão, principal contrapeso à influência chinesa na Ásia. No mesmo período, a China abocanhou 20% do campo de Libra, joia do pré-sal.

    De lá para cá, a dependência brasileira da China só fez aumentar. Como bem revela a reestruturação do setor elétrico brasileiro hoje, os chineses entram com tudo na América do Sul, e muitas vezes isso desloca comércio e investimento do Brasil na região à marra.

    Essa dependência da China é estrutural, de longo prazo e diz respeito a mudanças na economia global que não controlamos. Mas o papel da política externa é o de mitigar esse processo, obtendo improváveis graus de liberdade.

    Como? Investindo para valer numa aproximação à Índia e ao Japão, abrindo negócios com Cingapura, Indonésia, Tailândia e Malásia. Trabalhando com a Austrália. Fazendo política para a África de olho na China. Em suma, tentando diluir nossa dependência e não comendo mosca.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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