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    Matias Spektor

    Ao denunciar Geddel, Calero usa retórica da nova geração de políticos

    24/11/2016 02h00

    Alan Marques/ Folhapress
    BRASÍLIA, DF, BRASIL, 01.09.2016. O ministro da Cultura, Marcelo Calero, dá entrevista exclusiva sobre os seus100 dias na direção do MinC.(FOTO Alan Marques/ Folhapress) ILUSTRADA *** ESPECIAL FIM DE SEMANA ***
    O ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero

    As manchetes sobre o escândalo que envolve Geddel Vieira Lima enfatizam os riscos que o presidente da República incorre ao mantê-lo no lugar. Teme-se que a base aliada aproveite o sangramento do ministro para vender apoio ao Palácio do Planalto a peso de ouro, num momento em que os agentes econômicos passam a se preocupar com o ritmo das reformas.

    No entanto, há um elemento nessa história que merece destaque, pois expressa algo potencialmente novo na política brasileira: a retórica utilizada por Marcelo Calero em sua denúncia contra Geddel.

    Na entrevista que desatou a crise, Calero lançou mão do conjunto de palavras e expressões típico dos jovens que estão entrando para a política na esteira dos protestos de 2013 e da Operação Lava Jato. É uma linguagem simples e direta que expressa assombro diante da corrupção, do tráfico de influência e do abuso de autoridade.

    O tom é de denúncia, mas o estilo não apela para a raiva ou para o ódio, como é o caso da retórica das lideranças neopopulistas de esquerda e de direita. Aqui, a mensagem é mais refletida, menos exagerada e desenhada para ativar o bom senso do eleitor.

    Essa forma de falar não é exclusiva de um grupo ou agremiação, e ganha adeptos em todo o espectro ideológico. Basta ouvir os jovens que venceram eleições em numerosas cidades do interior ou a chamada "bancada ativista", que disputou vagas na Câmara dos Vereadores de São Paulo.

    Diante da desfaçatez despudorada da política tradicional, essa nova geração de candidatos adota um estilo que expressa decência e compromisso com servir. A mensagem é de retidão no tratamento da coisa pública e de valorização do Estado como o espaço da impessoalidade.

    Trata-se de uma linguagem direta, sem formalismos, que passa longe das frases prontas que sempre soam como empulhação.

    A tendência não é só brasileira. Vê-se o mesmo em países como Argentina, Bolívia, Chile e Colômbia, onde uma verdadeira enxurrada de candidatos na faixa dos 35 anos de idade está chegando ao poder. Mas não se trata apenas de uma questão de idade: compare você mesmo as falas de Calero (34) às de outros políticos que, apesar de jovens, soam como velhos, como Bruno Covas (36) ou Rodrigo Maia (46).

    Resta saber se essa nova linguagem terá êxito eleitoral no futuro. O próprio Calero poderá fazer o teste no Rio de Janeiro, onde a putrefação atual pede sangue novo.

    Consagrando essa maneira de falar nas urnas, Calero e sua turma serão obrigados a mostrar ao país que conseguem honrar suas promessas no exercício cotidiano do poder. Governando para o cidadão, indo além do mero encanto da retórica.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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