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    Matias Spektor

    Chefe militar de Médici pedia propina; qual a diferença hoje?

    08/06/2017 02h00

    Clever Felix - 11.abr.17/Brazil Photo Press/Folhapress
    RIO DE JANEIRO, RJ, 11.04.2017 - OPERAÇÃO-PF - O ex-secretário de Saúde, Sérgio Côrtes, que atuou de 2007 a 2013, é conduzido por agentes federais durante a Operação Fatura Exposta, mais um desdobramento da Lava Jato, na sede da Polícia Federal, no Rio de Janeiro, nesta terça-feira, 11. (Foto: Clever Felix/Brazil Photo Press/Folhapress) *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
    Agentes federais durante a Operação Fatura Exposta, desdobramento da Lava Jato, no Rio de Janeiro

    Um dos principais chefes militares do governo Médici pedia propina a empresários americanos. Com mediação da Fiesp ou por meio de extorsão, ele costurava os laços entre a embaixada americana, a iniciativa privada e o porão. É o que revela um documento secreto recém-aberto ao público.

    Se nossa podridão é de longa data, qual a diferença entre o esquema dos homens de farda e a mala de Rocha Loures, o infame assessor presidencial?

    Há duas alternativas.

    Uma delas é a tese das máfias enquistadas: organizações criminosas teriam ocupado o Estado brasileiro há tempos. Unidos por laços de amizade e parentesco, esses grupos teriam conseguido sobreviver à troca de regime e de governos. Sem importar as circunstâncias, a corrupção passaria incólume.

    Segundo essa concepção, a Lava Jato não conseguirá sanar o problema. Ela pode causar alguma marola, mas dificilmente quebrará o cartel das máfias que hoje mantém a sociedade brasileira rendida. Ao fim do dia, a operação não passará de uma nota de rodapé nos livros de história.

    A outra resposta é mais sofisticada. Ela diz que a corrupção endêmica não é apenas um mecanismo para enriquecer os membros das organizações criminosas vinculadas ao Estado. Antes, a corrupção cumpriria uma função mais precisa: a geração de rendas necessária para dar sustentação política a quem governa.

    Assim, à época da ditadura, quem ocupava o Palácio do Planalto precisava garantir a adesão dos principais chefes militares do país, além dos caciques civis de plantão. Como? Liberando verbas para suas comarcas, empregando aliados, promovendo familiares, criando novas oportunidades de negócio para amigos e fazendo vista grossa às propinas de grandes grupos empresariais.

    Na Nova República o jogo mudou. Agora, a sobrevivência de quem ocupa o Palácio do Planalto depende de mais atores, pois a sociedade vota. Nesse sistema, o presidente depende, acima de tudo, da fidelidade dos partidos da base aliada. É deles –não da popularidade– que seu destino depende.

    No "presidencialismo de coalizão", esse jogo é caro. Para garantir o apoio de deputados e senadores aliados, o governo precisa ajudá-los a garantir a própria reeleição. Mas como nossas eleições estão entre as mais caras do mundo, não basta o Planalto liberar emenda parlamentar a rodo. Precisa também nomear gente da base aliada para as empresas estatais, boquinha infalível, nas quais licitações polpudas abrem o fluxo de caixa de JBS, Odebrecht e tantas outras.

    Esse é o mecanismo que a Lava Jato expôs. Sozinha, ela não resolverá o drama nacional. Ao diagnosticá-lo, entretanto, abre uma rara possibilidade histórica de superação.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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