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    Matias Spektor

    Retórica de Trump aumenta risco de incidente nuclear

    10/08/2017 02h00

    Jeronimo Soffer
    Domo da cidade de Hiroshima, no Japão
    Domo de Hiroshima, no Japão, uma das poucas construções a resistir à bomba nuclear em 1945

    Os sobreviventes da bomba atômica lembram do feixe de luz da explosão, não de seu estrondo. A detonação fez estrago antes do som chegar.

    A geração que sobreviveu ao horror encontrou-se em Hiroshima, no início desta semana, para relembrar os eventos ocorridos há 72 anos. A celebração teve um tom especial porque, neste ano, a perspectiva de uma guerra com armas nucleares voltou a ser real.

    O motivo é o aumento vertiginoso da instabilidade em dois teatros principais. Por um lado, a Coreia do Norte vem testando mísseis balísticos com velocidade e êxito, e parece estar a poucos passos de conseguir introduzir uma ogiva nuclear num de seus novos foguetes.

    Tal perspectiva assusta os governos da Coreia do Sul, dos Estados Unidos e do Japão, cuja reação pode ativar uma espiral de insegurança cujo desfecho ninguém conhece. No processo, a China e a Rússia tendem a reagir também, entrando de roldão na ciranda, que pode levar a uma guerra nuclear.

    Por outro lado, nos últimos meses, os velhos atritos entre Índia e Paquistão ganharam vigor a ponto de transformar uma escalada sem limites em cenário plausível. Juntos, os dois países dispõem de arsenais nucleares suficientes para espalhar morte e destruição por todo o globo.

    Quem observa essas coisas do Brasil sempre aplica um desconto às estimativas mais alarmistas. Afinal, o cálculo estratégico lembra mais um jogo de mesa do que a nossa experiência cotidiana.

    É comum receber notícias sobre os vaivéns da política nuclear com uma dose de ceticismo.

    Esse tipo de desconto, entretanto, sempre ignora o fator central: na era nuclear, o problema mais grave nunca é o raciocínio de seus líderes, mas o risco de acidentes e de equívocos não intencionais.

    Quando autorizou o uso da primeira bomba atômica contra Hiroshima, o presidente Truman pensou tratar-se de um alvo "puramente militar" (horas depois, aprendeu com horror que dizimara um grande centro urbano). Três dias depois, quando a Força Aérea alvejou Nagasaki, a Casa Branca foi pega de surpresa.

    A história nuclear é cheia desse tipo de problema. Por isso, causa espanto a declaração dada ontem por Trump : "Responderemos às ameaças da Coreia do Norte com fúria e fogo, em níveis que o mundo nunca viu". Dada a natureza do regime em Pyongyang, essa retórica é incendiária. Basta um incidente qualquer assustar os governantes daquela região —como um míssil que foge à rota original devido ao mau tempo ou dois barcos colidindo em alto-mar— para levar o mundo ao precipício nuclear.

    Hiroshima e Nagasaki continuam emitindo um silêncio ensurdecedor.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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