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    Matias Spektor

    Redução do número de partidos terá impacto nulo

    12/10/2017 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    BRASÍLIA, DF, BRASIL, 30.05.2017, 10h00 - Reunião da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos do Senado) destinada a discussão da reforma Trabalhista. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) preside a sessão e o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) é o relator. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
    Fachada do Congresso Nacional

    Ganha força a crença equivocada segundo a qual o problema do sistema político brasileiro é o número de partidos. Quando o Congresso Nacional aprovou a cláusula de desempenho há uns dias, os telejornais compraram a falácia: "Com tantos partidos não dá para governar", repetiram. A turma que trabalha para manter tudo como está celebrou a vitória. "Governabilidade e talvez menos corrupção", disse FHC. "Racionalidade desejada", festejou Gilmar Mendes.

    Não teremos uma coisa nem outra. A proliferação de siglas sem conteúdo programático é o sintoma, não a causa. Reduzir o número de partidos é uma medida inócua. Na Argentina, onde as regras do jogo político são parecidas com as nossas, há apenas quatro grandes partidos. Apesar disso, o sistema deles é disfuncional e também está apodrecido.

    Por quê? Porque o chamado presidencialismo de coalizão cria incentivos para que Executivo e Legislativo governem em conluio, mas descolados dos interesses da maioria do eleitorado. Quem ocupa o Planalto ou a Casa Rosada só consegue formar maioria parlamentar quando dá à base aliada acesso a orçamentos públicos polpudos, contatos privilegiados com grupos empresariais sedentos por licitações, malas de dinheiro e outras boquinhas.

    No caso brasileiro, como a classe política vive disso há décadas, seu apego a esse esquema é desesperado. Qualquer mudança real ameaça a sua sobrevivência. Ao eleitor sobram serviços públicos de péssima qualidade e corrupção endêmica.

    A cláusula de desempenho foi inserida na reforma recém-aprovada para desviar a atenção daquilo que realmente importa —o bolão de dinheiro que, assegurado pelo contribuinte, permitirá aos políticos fazer campanha durante as eleições sem ter de prestar contas a seus eleitores por atos passados.

    O perigo desse tipo de reforma é claro. Sempre que Executivo e Legislativo fazem mudanças de olho na autopreservação e ignoram as angústias do eleitorado, abrem caminho para o inesperado. Obama e os republicanos tiraram a economia americana do lodo sem punir os banqueiros responsáveis: seu legado é Donald Trump e Bernie Sanders. Trabalhistas e Conservadores do Reino Unido fizeram ouvidos moucos às queixas do eleitorado sobre imigração e o declínio dos serviços públicos: afundaram o país no Brexit, um resultado desastroso.

    No Brasil, a cegueira dos caciques em Brasília abre as portas para Bolsonaro. O deputado trabalha com afinco para achar um jeito de falar de economia, mas já tem discurso de apelo fácil sobre segurança pública e corrupção. As soluções que propõe são erradas ou duvidosas, mas ele encontra gente disposta a ouvi-las. Seu projeto tem chance de vingar porque quem nos governa hipotecou o futuro da nação.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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