Eduardo Knapp-25.nov.2010/Folhapress | ||
Placa anunciando obra da Odebrecht em Luanda, capital de Angola |
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Colunistas
Thursday, 02-May-2024 20:56:41 -03Matias Spektor
Crime transnacional determina posição do Brasil no mundo
02/11/2017 02h00
O tema de política externa que mais afeta a vida cotidiana dos brasileiros é aquele que recebe menos atenção: a presença do crime organizado em nossas relações exteriores.
O fenômeno vem sendo exposto há coisa de quatro anos e é simples de entender. Há quadrilhas enquistadas no Executivo e no Legislativo que operam de modo internacional, seguindo duas dinâmicas paralelas.
Por um lado, essas máfias superfaturam contratos públicos para gerar recursos de financiamento de campanha e acionam, para esse fim, uma rede internacional de doleiros para lavar o dinheiro. Como essas quadrilhas precisam manter a boquinha operante, elas instrumentalizam visitas oficiais, acordos diplomáticos e linhas de crédito no exterior, com a anuência e cumplicidade de bancas de advogados, diretores de empresas estatais, marqueteiros e bancos estrangeiros. Os esquemas da Odebrecht e outras empreiteiras ilustram o ponto.
Por outro lado, essas máfias também tiram uma lasquinha do esquema multimilionário de crime organizado nas regiões de fronteira, onde há um fluxo intenso de comércio ilegal de drogas, armas e pessoas, além de pirataria, fraude de cartões de crédito e de documentos. Agentes públicos em prefeituras, Assembleias estaduais, Congresso e Judiciário cobram pedágio de gangues que usam extorsão, violência e o assassinato de rivais para impor a ordem, como tem mostrado o noticiário.
Assim, da Colômbia à França, de Angola a Cingapura, de Ponta Porã a Tabatinga, o crime transnacional estrutura parte da presença do Brasil no mundo.
Tais redes criminosas constituem a principal ameaça à democracia brasileira, pois corroem as instituições que deveriam prover bens públicos. A sociedade fica à mercê do arbítrio e da lei do mais forte, como ocorre em regimes autoritários.
A luta contra essas máfias avançou muito nos últimos anos, em formato também transnacional. Desde o escândalo do Banestado (1996), criou-se uma rede de promotores, juízes, policiais e bancos privados do Brasil que trabalha em parceria com suas contrapartes estrangeiras. Esse elo permitiu a condenação de malfeitores e a repatriação de milhões de dólares roubados.
A luta, porém, é dura e de resultado incerto. A máfia é muito mais poderosa do que a rede anticorrupção porque aquela, além de contar com seu arsenal de métodos ilegais, ocupa posições no seio do Estado brasileiro. A assimetria de forças é brutal.
Se um dia formos governados por gente que não integra quadrilha alguma, o grupo no poder terá a oportunidade de declarar guerra contra o crime transnacional que subverte a democracia, empobrece a sociedade e gera má governança para todos.
É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.
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