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    Matias Spektor

    Almirante condenado na Lava Jato usa informação falsa sobre bomba nuclear

    09/11/2017 02h00

    Ricardo Borges/Folhapress
    Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 01/11/2017; Retrato do almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, "pai" do programa nuclear brasileiro, ex-presidente da Eletronuclear, preso e condenado a 43 anos de prisão na Lava Jato, agora solto também por conta de enfrentar um câncer. ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
    O ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva, condenado na Lava Jato

    A maior contribuição da Lava Jato à segurança nacional é a limpeza recém-iniciada no programa nuclear. Das usinas em Angra ao submarino nuclear, o Brasil assiste a um processo incipiente, mas necessário, de ajuste de contas em sua tecnologia mais sensível.

    Há gente na Marinha que quer fazer a limpeza, trocando pessoas, arrumando orçamentos, ajustando prazos e começando um relacionamento com o Ministério Público. Além disso, o governo acaba de dar início ao difícil processo de atualização do velho marco regulatório da energia nuclear, que não faz jus ao atual tamanho do setor.

    Ocorre que a limpeza, assim como as investigações da Lava Jato que a ela deram origem, tem numerosos inimigos. O mais notório deles é o almirante reformado Othon Luiz Pinheiro da Silva, codinome "Mergulhador" nas planilhas da Odebrecht.

    Condenado pelo juiz Marcelo Bretas a 43 anos de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, embaraço à investigação, evasão de divisas e organização criminosa, "Mergulhador" teria recebido pagamentos ilícitos de Andrade Gutierrez, Engevix e Odebrecht.

    Há um mês, Othon ganhou o direito a recorrer da sentença em liberdade. Em entrevistas à imprensa, ele vem tentando ganhar adesões para um eventual pedido de indulto, ideia apresentada ao público pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ).
    O argumento a favor do indulto é que Othon pode ter cometido crimes contra o erário, mas contribuiu para o desenvolvimento nacional. Para reforçar a imagem de patriota injustiçado, Othon denuncia um suposto conluio internacional para leva-lo à prisão, sem apontar acusados ou evidências.

    Nesta semana, ele foi além: em depoimento à Folha, afirmou que o Brasil poderia fazer uma bomba atômica em quatro meses. O dado, contudo, é falso. O Brasil não possui estoque de material físsil para uma bomba, não enriquece ou reprocessa urânio nesse nível ou para esse fim e fez uma opção pelo não desenvolvimento de tecnologias de explosão nuclear.

    Inverídica, a frase sobre a bomba golpeia a credibilidade acumulada pela Marinha e pela diplomacia durante 30 anos de vida democrática. Fosse verdade a assertiva, a Marinha estaria trapaceando a Comissão Nacional de Energia Nuclear, o TCU, o Congresso, o Ministério da Defesa e a Agência Internacional de Energia Atômica. Felizmente, as palavras não passam de uma patacoada.

    Disseminar informação inverídica para salvar a própria pele é desleal com uma sociedade que aprendeu a desenvolver tecnologia nuclear de ponta na mais estrita observância da Constituição e de suas obrigações internacionais.

    A Lava Jato nuclear acaba de começar, e ainda é cedo para saber qual lado vai ganhar.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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