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    Matias Spektor

    Portugal tem conexão com a bandidagem brasileira

    30/11/2017 02h00

    Patricia de Melo Moreira/AFP
    Marseille's Patrice Evra, center, back to camera is dragged away by his teammates during a scuffle with Marseille supporters who trespassed into the field before the Europa League group I soccer match between Vitoria SC and Olympique de Marseille at the D. Afonso Henriques stadium in Guimaraes, Portugal, Thursday, Nov. 2, 2017. Evra was shown a red card before the start of the match for his involvement in the incident. (AP Photo/Luis Vieira) ORG XMIT: XAF126
    O ex-primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, que foi preso por corrupção

    Pela força dos laços que nos unem, Portugal deveria ajudar as autoridades brasileiras a passar o nosso país a limpo.

    Na prática, porém, as decisões tomadas em Lisboa nos últimos tempos têm ajudado a transformar a velha metrópole em refúgio para a bandidagem do Brasil.

    O motivo é simples. Em 2012, o governo português inaugurou um sistema de "vistos Golden" para indivíduos com 500 mil euros para investir em território português. O visto dá direito a residir em Portugal, onde as autoridades não fazem perguntas a respeito da origem dos recursos. A medida, talhada para atrair recursos de fora, virou uma balsa de salvação para bandidos de Angola, Brasil e China, os três países que encabeçam esse novo fluxo migratório.

    A decisão portuguesa dá um novo endereço fiscal a quem precisa driblar a lei de repatriação de recursos —caso de muitos dos envolvidos na Lava Jato. Recebendo essa gente sem checar a origem dos recursos, as autoridades portuguesas fazem um desserviço à ex-colônia.

    Portugal poderia se recusar a ser um escudo de proteção, estabelecendo como critério de concessão de vistos uma avaliação da fonte originária do dinheiro. Poderia também investir para valer na cooperação entre os Ministérios Públicos de ambos os países, além de abrir dados fiscais, compartilhar provas e facilitar a extradição.

    Nada indica, entretanto, que isso vá acontecer no futuro próximo. Afinal, o atual governo português está em plena guerra contra as instituições de controle. Assim como ocorreu aqui com a Lava Jato, a política portuguesa também teve as entranhas expostas por uma megainvestigação conduzida por juízes e promotores independentes.

    A operação Marquês, por exemplo, produziu as provas que revelam como o ex-primeiro ministro José Sócrates acumulou 24 milhões de euros na Suíça e cometeu 31 crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, fraude fiscal e falsificação de documentos. Outros políticos e empresários estão na mira.

    A classe política portuguesa cerrou fileiras contra a investigação, barrando a legislação que permitiria realizar delações premiadas. Lá, promotores e juízes ainda não conseguiram mobilizar a opinião pública como aqui.

    Qualquer possibilidade de cooperação jurídica real com o Brasil deixa os mandarins de Lisboa de cabelo em pé. Isso porque a operação Marquês também está revelando a podridão que levou a Portugal Telecom —dona da Oi— a criar um propinoduto que aproxima a bandidagem brasileira da portuguesa.

    Trata-se do capítulo mais novo e promissor na tentativa de desvendar os detalhes de como o crime organizado na cúpula do poder contamina as relações internacionais da comunidade de língua portuguesa.

    matias spektor

    É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

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