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    Maurício Stycer

    A regra do jogo

    DE SÃO PAULO

    24/02/2013 03h03

    O final de "Lado a Lado", dentro de duas semanas, é um bom pretexto para lembrar os critérios que orientam --e limitam-- a avaliação da qualidade da ficção exibida na TV. Novela boa é novela que conquista o público --eis o axioma inquestionável que faz o mundo da televisão girar.

    A trama das 18h está chegando ao fim sem conseguir alcançar a meta de audiência estabelecida pela Globo. Com média em torno de 18 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande SP), o seu resultado é muito inferior ao das últimas sete produções do horário, que tiveram médias entre 21 e 25 pontos.

    "Fracasso" inquestionável por esse ponto de vista, "Lado a Lado" foi, na minha opinião, uma das melhores produções de época exibidas pela Globo em muito tempo. A trama, de autoria de Claudia Lage e João Ximenes Braga, teve como cenário a capital da República, o Rio, entre 1904 e 1910.

    Diversos episódios históricos marcantes foram recriados, a começar pela famosa reforma urbana, o bota-abaixo, que deu nova aparência ao centro da cidade e teve como consequência a expulsão dos moradores de cortiços para incipientes favelas.

    Filho de escravos e capoeirista, o personagem Zé Maria (Lázaro Ramos) foi uma espécie de "Zelig" de "Lado a Lado". Participou do esforço de esclarecimento junto aos protagonistas da Revolta da Vacina (1904), lutou ao lado do marinheiro João Cândido na Revolta da Chibata (1910) e ajudou a descriminalizar a capoeira.

    Zé Maria também foi testemunha do episódio em que um negro, seu amigo, aceitou passar pó-de-arroz para jogar futebol num clube da elite carioca. Ajudou a livrar da cadeia uma mulher, negra, presa por praticar o candomblé. E viu de perto a luta de outra mulher negra, Isabel (Camila Pitanga), para ser aceita como artista e mãe solteira.

    Em nome do melodrama, "Lado a Lado" explorou, não sem se repetir, o tema dos limites impostos às mulheres no início do século 20. Laura (Marjorie Estiano) enfrentou o tabu do divórcio e a má fama de morar fora de casa e trabalhar. Além de Isabel, outras três (!) personagens tiveram filhos fora do casamento.

    Em diferentes momentos, os autores comprometeram o ritmo da ação para explicar o pano de fundo histórico. Houve excesso de didatismo e exagero na "pregação" libertária dos personagens. Muita gente reclamou da suavidade da novela, da sua ação às vezes a conta-gotas, sem a velocidade que se espera de uma trama hoje.

    Na visão de um dos autores, a novela sofreu por conta de "inimigos externos". Mudanças de horário por causa da propaganda eleitoral e, depois, do horário de verão, podem ter afastado o público.

    A onda de violência em São Paulo no final do ano elevou a audiência de programas policiais exibidos no mesmo horário. "Já vi até gente dizendo que o problema é que a novela é boa demais", disse João Ximenes Braga.

    "Lado a Lado" foi um "fracasso"? Talvez. Mas acho preocupante que se atribua o mau resultado às qualidades da novela. O ibope frustrante de um produto com qualidade acima da média, infelizmente, sempre reforça a posição daqueles que defendem o nivelamento por baixo.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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