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    Maurício Stycer

    'Diversão justificável'

    DE SÃO PAULO

    23/03/2013 01h15

    Existe uma percepção, cada vez mais difundida, de que o entretenimento proporcionado ao longo de décadas pelo cinema feito em

    Hollywood hoje é oferecido pelos seriados de televisão.

    A "culpa", em parte, é da própria indústria cinematográfica, cada vez mais infantilizada em sua busca pelo público adolescente. Mas não se pode negligenciar o papel da indústria dedicada à criação de programas no formato de séries.

    Não à toa, em recente cerimônia, ao receber um prêmio em homenagem ao conjunto de sua obra, em Roma, o cineasta Bernardo Bertolucci, de 73 anos, fez este paralelo.

    "Os filmes norte-americanos dos quais gosto atualmente não vêm dos estúdios de Hollywood e sim das séries de TV, como 'Mad Men', 'Breaking Bad', 'The Americans'.

    Exceto por algumas poucas produções independentes, acho que tudo que vem de Hollywood é em geral triste", disse.

    Relembrando a um jornalista da agência Reuters o impacto dos filmes americanos em sua vida, observou: "Eu vi 'No Tempo das Diligências' e, para mim, John Ford virou Homero. Eu me olhava diante de um espelho grande e o que eu via, quando tinha 12 anos, não era eu, era John Wayne. Minha geração teve um caso com a cultura norte-americana, sem dúvida. Um poste de rua e um hidrante de incêndio me fizeram cantar na chuva".

    Um dos prazeres óbvios dos seriados, como notou Bertolucci, é o seu caráter de folhetim: "Gosto quando eles duram 13 episódios, mas aí vem uma nova série com mais 13 episódios".
    Assim como o cineasta italiano, o escritor peruano Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de literatura, também enxerga no formato do seriado o substituto de algo que antes se encontrava na literatura. "Seriados como 'Homeland' e 'House of Cards' continuam uma tradição muito divertida, que é a do folhetim, como os de Alexandre Dumas", disse recentemente, numa entrevista à Folha.

    Conhecido fã de "The Wire", série policial exibida entre 2002 e 2008, Llosa observa: "Estes programas não têm pretensões culturais, são uma forma de diversão justificável".

    Mesmo no Brasil, onde as novelas vêm cumprindo, há cinco décadas, o eficaz papel de substituto dos folhetins literários, o impacto dos seriados americanos já é sentido.

    Com acesso cada vez maior a TV paga e internet, parte do público começa a comparar os dois produtos. O efeito mais visível é a preocupação com o ritmo e o tamanho das novelas. Desde 2011, com "O Astro", seguida por "Gabriela" (2012) e "Saramandaia", programada para começar amanhã, a Globo tem testado formato mais curto, com 60 ou 70 capítulos, em vez dos habituais 180. A Record faz experiência semelhante, no momento, com "Dona Xepa".

    Autores de novela já entenderam que precisam oferecer folhetins com narrativa mais ágil e menos "barriga". Em entrevista recente a "O Estado de S. Paulo", Ricardo Linhares, responsável pelo texto da nova versão de "Saramandaia", reconhece que séries americanas influenciam na carpintaria das novelas.

    "Interferem, sim, mas não é só o seriado americano. (...) A novela, hoje, tem que ter outra dinâmica, com cenas mais curtas e histórias mais ágeis. Isso faz parte não do seriado, mas da vida."

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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