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    Maurício Stycer

    O mandachuva dos seriados

    DE SÃO PAULO

    12/01/2014 03h00

    Em um dos extras que acompanham o DVD com a última temporada de "Breaking Bad", Vince Gilligan, o criador da série, é visto no set de filmagem, supervisionando uma cena que ainda será gravada. Ele se detém diante de uma parede repleta de pequenos buracos, representando o efeito de balas de fuzil. Insatisfeito com o que vê, pega uma furadeira e acrescenta alguns buracos.

    A cena pode parecer banal, mas não é. Está ali, como o extra didaticamente mostra, para realçar o lugar do autor dentro de um processo altamente industrial como a realização de uma série de televisão.

    Creditado como produtor-executivo, Gilligan é, na verdade, o "showrunner" (termo sem tradução em português) da série. O mandachuva participa, com poder de decisão, sobre as quatro etapas que levam à realização de cada episódio.

    Primeiro, é ele quem lidera a chamada "sala dos roteiristas". Neste ambiente, seis ou mais colaboradores discutem e esmiúçam cada episódio, sugerindo tramas, apontando incoerências e vislumbrando desdobramentos. Escrito o capítulo por um dos roteiristas, Gilligan tem o poder de dar redação final, alterando o que desejar.

    Na segunda etapa, o "showrunner" atua na pré-produção do episódio. Dá palpites, entre outros, em relação às locações, aos cenários e figurinos que serão utilizados.

    Durante as filmagens, propriamente, supervisiona o trabalho do diretor, do responsável pela fotografia, dos atores, dos que fazem os efeitos especiais etc. Às vezes, assume o comando literalmente: em "Breaking Bad", Gilligan dirigiu cinco episódios, incluindo o derradeiro.

    Por fim, ele também participa da pós-produção. O mais importante, senta-se ao lado do editor na "ilha" e ajuda na seleção das cenas, mas também opina sobre problemas de sonorização que surgem no processo, entre outros aspectos.

    Essa proeminência do autor de televisão em um produto com características industriais é uma experiência específica. Para ficar nos dois seriados que serão exibidos na TV aberta brasileira a partir de terça-feira (14), "Homeland" (Globo) e "Breaking Bad" (Record), estamos falando de programas com cerca de 50 minutos cada, num total de oito a 13 episódios por temporada (ano).

    Por isso, não dá para comparar a qualidade das duas séries com a de qualquer novela feita no país. Experiências nacionais em ficção seriada de fôlego curto também sofrem na comparação, ainda que eventualmente apontem um caminho.

    A recente "Amores Roubados", da Globo, em dez episódios de 40 minutos, sobressai por alguns aspectos, como a qualidade da produção, o texto não didático, a fotografia e o bom elenco. Não tenho informações sobre até onde vai a interferência do diretor-geral, José Luiz Villamarin, e do autor, George Moura, mas há algumas marcas no trabalho (e nomes na equipe) que remetem à série anterior que a dupla fez, "O Canto da Sereia", o que configura um esforço de autoria.

    Embora distante da ousadia narrativa dos dois programas americanos que serão exibidos aqui (o meu elogio a "Homeland" vale só para a primeira temporada e para "Breaking Bad" para toda a série), é obrigatório ressaltar que "Amores Roubados" é um produto muito acima da média do que se vê na TV aberta.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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