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    Maurício Stycer

    Além da audiência

    13/04/2014 03h00

    Empreendimento sustentado por publicidade (e venda de horários para igrejas), a TV comercial aberta no Brasil sempre recorreu à métrica da audiência e ao perfil socioeconômico dos espectadores para estabelecer parâmetros. Quanto maiores os números e mais qualificado o público, mais dinheiro.

    Os tempos são outros -e a lógica de funcionamento deste modelo está em completa transformação.

    O aparelho de TV hoje está presente em 97% das residências do país. Houve um importante fenômeno de mobilidade social provocado pelo aumento de renda das classes C e D.

    Operadoras de TV paga já têm mais de 18 milhões de clientes (o alcance pode ser multiplicado por dois ou três). Novas tecnologias permitem o acesso a conteúdo produzido pelas emissoras em telefones, tablets, notebooks etc.

    A audiência média das TVs abertas despencou. As explicações são desdobramentos dos pontos elencados acima. Opções de lazer estão acessíveis a mais gente, a TV paga oferece mais variedade, o consumo de games disparou etc.

    Estou simplificando bastante para entrar logo no assunto principal. Por que a Rede Globo afirma não ter mais metas de audiência?

    A nova postura da emissora, enunciada por seu novo diretor-geral, Carlos Henrique Schroder, em fevereiro de 2013, foi detalhada agora, um ano depois, em um encontro com jornalistas.

    "Temos que tirar da frente a obrigação de entregar pontuação. Temos que entregar o produto. A audiência virá como consequência", registrou a coluna de Mônica Bergamo, na Folha, no ano passado.

    Na última semana, Schroder desenvolveu a ideia: "Faço uma brincadeira interna. Você é o técnico da seleção brasileira. Vai disputar um jogo. No vestiário, você diz para os jogadores: 'Ganhem por 4 a 2'. Estipular meta é mais ou menos isso. Então, não! Se ganhar de 4 a 2, ótimo. Mas o mais importante é jogar bem, ganhar, fazer bonito, agradar a torcida. Arriscar é isso. Jogar bem e, às vezes, a audiência não atingir aquilo que a gente imaginou ou pensou".

    Dirigindo-se a uma jornalista, perguntou: "Você acha que a novela das seis vai dar audiência?". A resposta: "Acho que não". E ele: "Você acha que não. Foi discutido o conteúdo, foi discutida a produção, foi discutido o jeito de fazer. A gente acredita no produto? Acredita. Se eu digo que a novela das seis tem que dar 20 pontos de audiência, é uma volta ao modelo antigo. Não estou dizendo: 'Aceitamos qualquer resultado'. Não é isso. Se a relevância do produto for, de fato, conseguida, tenho certeza que a audiência vem".

    Os mais céticos dirão que o discurso é somente questão de sobrevivência, falta de outra opção. Pode ser. Mas vejo de forma positiva.

    "Meu Pedacinho de Chão", a novela das 18h a que se referiu Schroder em sua pergunta, registrou índices abaixo da média do horário em seus primeiros capítulos, mas é uma preciosidade, uma experiência estética inovadora dentro da emissora e no gênero.

    O frenesi das notícias sobre "recordes negativos" de audiência não vai diminuir, a despeito do discurso de Schroder. Mas, se nestes novos tempos, a programação da emissora seguir, de fato, numa direção menos óbvia e até ousada, o espectador terá motivos para agradecer.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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