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    Maurício Stycer

    Retrato de época

    DE SÃO PAULO

    11/05/2014 02h00

    Outro dia, ao final de um jantar, a conversa recaiu sobre um tema cada vez mais frequente em encontros sociais: os seriados americanos. Cada um falando dos seus preferidos, o debate confluiu para um acordo: todo mundo gosta de "Breaking Bad".

    Também gosto muito da série de Vince Gilligan, mas tentei mudar um pouco o caminho da conversa, observando que aprecio ainda mais "Mad Men". Minha sugestão não fez muito sucesso. Uma amiga, que trabalha em TV, deu o argumento que pareceu a todos definitivo: "'Breaking Bad' é muito mais entretenimento".

    Tentei argumentar com um aspecto meio óbvio de "Mad Men", mas que me agrada muito: é uma série "de época", ambientada nos anos 60, na qual o tempo histórico age sobre o comportamento e os sentimentos dos personagens. Mas não colou.

    Parece não haver dúvida de que as aventuras de Walter White, o professor de química que virou traficante de drogas, são muito mais divertidas, com muito mais ação, do que o drama de Don Draper, o publicitário genial, mas atormentado, da série criada por Matthew Weiner.

    Ainda arrisquei um último argumento no esforço de provar que "Mad Men" é melhor: sempre que um episódio termina, continuo pensando nele por horas, às vezes dias. Foi aí que o assunto morreu mesmo.

    Lançada em 2007, a série chegou neste ano à sétima e, em tese, última temporada. No esforço de faturar o máximo, o canal que a exibe desde o início, o AMC, decidiu mostrar apenas sete episódios neste ano e guardar outros sete para 2015. A tática foi adotada pela mesma empresa com sucesso na temporada final de "Breaking Bad", dividida em dois entre 2012 e 2013.

    No Brasil, "Mad Men" é apresentado no canal pago HBO e pela TV Cultura. A primeira temporada começa em janeiro de 1960, meses antes da eleição de Kennedy, e esta última tem início em janeiro de 1969, mês da posse de Nixon. Ao longo destes anos, o espectador acompanhou a trajetória errática, às vezes suicida, de Draper, tanto no trabalho quanto na vida pessoal.

    A série aborda ou sobrevoa de forma sagaz vários temas interessantes, do consumo desenfreado de álcool e cigarro no ambiente de trabalho ao sexismo "natural" nas relações profissionais e pessoais. A agência só contrata uma secretária negra pela primeira vez depois que manifestações nas ruas preocupam os sócios do negócio.

    Originalmente secretária de Draper, Peggy Olson consegue ser promovida a redatora da agência. Na busca por independência, opta por esconder um filho tido durante um romance e, ao longo dos anos, engole os piores sapos em nome do crescimento profissional.

    Draper, sabemos desde a primeira temporada, tem um problema grave com o seu passado. Um flashback mostra como ele aproveitou a morte de um colega na guerra da Coreia para trocar de identidade com ele.

    Vivido com brilho por Jon Hamm, o personagem parece o tempo todo à deriva, seja tendo lampejos de genialidade na agência, bebendo uísque de forma descontrolada ou tendo romances atrás de romances, apesar de casado.

    Draper inspira admiração, inveja, raiva e pena, às vezes num mesmo episódio. É um personagem complexo e ricamente construído. De fato, nem sempre é divertido assistir "Mad Men". Mas vale a pena.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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