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    Maurício Stycer

    Como catapora

    DE SÃO PAULO

    21/12/2014 02h00

    Silvio de Abreu é autor de uma das melhores definições sobre como medir o impacto de uma novela sem se fiar exclusivamente nos números de audiência. "Novela deve ser como catapora, precisa pegar."

    O comentário é citado no livro "Crimes no Horário Nobre" (ed. Giostri, R$ 60, 372 págs.), de Raphael Scire, que revisita a carreira do autor. Abreu estava se referindo a "Rainha da Sucata" (1990), a primeira novela que escreveu para o horário nobre. "A audiência era boa, o público parecia se divertir, mas ninguém comentava", lamenta.

    Drama parecido tem afetado, nos dias de hoje, a maioria das novelas da Globo. A última que pegou como catapora foi "Avenida Brasil", de João Emanuel Carneiro, exibida entre março e outubro de 2012.

    De lá para cá, novelas conseguiram produzir, no máximo, alguns resfriados no público –caso, por exemplo, de "Amor à Vida", de Walcyr Carrasco, que causou um pingo de comoção ao exibir um beijo entre dois homens na reta final.

    "Império", de Aguinaldo Silva, talvez seja a melhor novela destes últimos dois anos, mas enfrenta essa mesma dificuldade de "pegar".

    A trama estreou com a responsabilidade de resgatar a audiência do principal horário da emissora, derrubada por "Em Família", de Manoel Carlos. O objetivo está sendo cumprido, mas a novela, já com 130 capítulos, não decola.

    A principal polêmica provocada por "Império", até agora, não diz respeito a nenhum aspecto da trama, mas a um acidente de percurso. Por problemas de saúde, a atriz Drica Moraes, que vivia uma das protagonistas da história, foi obrigada a deixar a novela no meio.

    Em vez de matar a personagem, o autor teve a excelente ideia de convocar Marjorie Estiano para substituir Drica. A atriz havia vivido a mesma personagem nos três capítulos iniciais da história, num prólogo, ambientado no passado, 20 anos antes.

    Como Marjorie é 13 anos mais nova do que Drica, a substituição provocou algum espanto. Gente acostumada com todo tipo de delírio em novela reclamou que teria dificuldade em "acreditar" no rejuvenescimento da vilã Cora. Fala sério!

    O problema de "Império" é outro. A novela começou com muitas promessas, mas poucas se concretizaram. Claudio (José Mayer), cerimonialista famoso, que mantinha uma vida dupla secreta (casado, com filhos, mas gay), desistiu das aventuras amorosas clandestinas e agora é um dedicado marido.

    A própria Cora, vivida por Drica e Marjorie, oscila entre ser uma vilã maldosa e uma bruxa de histórias em quadrinhos, cheirando cuecas e soltando gases pela casa, enquanto sonha em perder a virgindade.

    Há uma boa história em "Império", a saga do protagonista, o comendador José Alfredo (Alexandre Nero), um homem de origem humilde que enriqueceu no garimpo de pedras preciosas e se tornou uma figura rica e poderosa, mas deixou vários esqueletos no armário.

    Também é muito bom o personagem Téo Pereira (Paulo Betti), que o autor usa para discutir jornalismo e invasão de privacidade (tratei do tema na coluna "Jornalismo de fofoca", em 14/09/14)

    Mas estas histórias não estão sendo suficientes para transformar "Império" na catapora que Globo e Aguinaldo Silva tanto querem. Cada vez mais informado e com mais opções à disposição, o público tem se mostrado vacinado contra soluções fáceis, óbvias ou preguiçosas.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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