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    Maurício Stycer

    Os cortadores de cabo

    23/08/2015 02h00

    Ferramenta essencial na maleta de qualquer eletricista, o cortador de cabo se tornou a imagem representativa de um dos efeitos mais significativos da revolução digital. Trata-se do movimento de troca de pacotes de TV paga (a cabo ou por satélite) por outros, mais baratos, que oferecem programação por internet (banda larga).

    Nos Estados Unidos, onde esse processo é mais visível e envolve cifras na casa dos milhões, os usuários que abrem mão da TV a cabo são chamados justamente de "cord cutters". De 68 milhões de assinantes em 2000, as operadoras hoje registram um número em torno de 50 milhões.

    O inimigo mais visível da indústria, ao oferecer um vasto cardápio de filmes e séries a preço generoso, via streaming, é a Netflix. Mas a empresa não está sozinha nessa. Muito pelo contrário.

    As opções para quem deseja montar o seu próprio "cardápio" em matéria de programação (a chamada "TV à la carte") são cada vez maiores. Até operadoras de TV a cabo, que já ofereciam também serviços de banda larga, estão agora vendendo pacotes mais simples e baratos de programação de televisão via internet.

    Isso sem falar dos produtores de conteúdo, como HBO, ESPN e outros, que estão igualmente disponíveis para assinaturas diretas, sem intermediários, por preços muito inferiores ao dos pacotes tradicionais.

    A essência do sistema sempre foi a de obrigar o cliente a comprar um pacote enorme para ver apenas alguns canais que o interessam. É um negócio que deixa o espectador com a sensação (real) de que está pagando por coisas que não quer.

    Há, porém, uma lógica neste modelo, como lembra o analista americano Michael Wolff no livro "Television Is the New Television". Forçar o consumidor a pagar por conteúdo que ele não quer é uma maneira, escreve, de financiar programas novos e não testados, coisas que valem a pena ver, atrações experimentais e, em última instância, ajudar no surgimento dos grandes sucessos.

    Em todo caso, entre pagar US$ 100 por um pacote enorme, com uma maioria de atrações que não interessam, e gastar um valor semelhante escolhendo tudo que deseja ver, o consumidor dá sinais de que está preferindo a segunda opção.

    No Brasil, o assunto já é discutido no meio, mas ainda está longe da proporção que tomou nos EUA. O primeiro entrave para essa mudança é a falta de internet em 50% dos lares brasileiros, de acordo com dados de 2013, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

    O país ainda vive a formação de um mercado de TV a cabo. O número de assinantes vinha crescendo sem parar nos últimos anos, até estacionar em 2015 perto dos 20 milhões, cerca de 30% dos domicílios brasileiros.

    A interrupção no crescimento, ocorrida nos primeiros meses deste ano, está sendo atribuída mais à crise econômica do que a um movimento de usuários em direção a este sistema alternativo, de pagar apenas pelo que se quer assistir. Será?

    Em todo caso, tenho a impressão que o mercado de TV a cabo no país corre o risco de jamais chegar à plenitude, ao menos como imaginado.

    As próprias operadoras já começam a oferecer serviços diferenciados, como o acesso da programação em todas as mídias que o cliente desejar. E vários canais, incluindo os da Globosat, também já facilitam a vida de usuários que desejam ver os programas que querem, na mídia que desejam, na hora que bem entendem.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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