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    Maurício Stycer

    Ficção com sotaque brasileiro

    06/09/2015 02h00

    No intervalo de sete dias, na última semana de agosto, três gigantes estrangeiros do entretenimento lançaram boas séries com sotaque brasileiro —"O Hipnotizador" (HBO), "Narcos" (Netflix) e "Santo Forte" (AXN, do grupo Sony).

    Pode ter sido apenas coincidência de datas, mas ajuda a iluminar a situação do mercado, tanto do ponto de vista criativo quanto dos negócios.

    No caso da HBO, não se pode creditar o lançamento apenas à Lei da TV Paga, regulamentada em 2012, que obriga a veiculação de conteúdo nacional nos canais estrangeiros.

    O canal está comemorando neste ano uma década de produções originais no Brasil. Desde "Mandrake", de 2005, aos dias de hoje, os programas da HBO têm exibido um padrão de qualidade muito acima da média nacional.

    Responsável por duas séries que mudaram o panorama da produção americana, a comédia "Sex and the City" (1998) e o drama "Sopranos" (1999), o canal mostrou que o caminho para se manter exclusivamente com assinaturas (sem publicidade) passava por encontrar nichos entre o público mais qualificado.

    "O Hipnotizador", há duas semanas no ar, é uma história de mistério, filmada num tom entre o noir e o mágico. O protagonista usa seu talento para esclarecer casos enigmáticos. No segundo episódio, por exemplo, para ajudar um jogador de pôquer atormentado, Arenas (Leonardo Sbaraglia) recorre à ajuda do "colecionador de dias", que compra a memória de tipos perturbados.

    A série foi realizada por uma produtora brasileira com penetração no mercado internacional (a RT Features), gravada no Uruguai, com diretores brasileiros (Alex Gabassi e José Eduardo Belmonte), roteiristas argentinos (Pablo de Santis e Juan Sáenz Valiente) e atores dos três países. É falada em português e espanhol.

    Esta cor "latina" de "O Hipnotizador" é também a marca que mais chama a atenção em "Narcos". A produção da Netflix sobre Pablo Escobar é dirigida por um brasileiro radicado em Hollywood (José Padilha), com roteiristas americanos (Chris Brancato) e atores do Brasil (o protagonista Wagner Moura), EUA, Colômbia, Porto Rico etc.

    É um projeto muito bem realizado, mas convencional e, pior, pouco surpreendente. A vida de Escobar já foi contada em livros, filmes, documentários e até em uma novela, exibida na TV paga brasileira.

    Sem estar submetida à Lei da TV Paga, nem ao mesmo sistema de tributação que os canais por assinatura, a Netflix tem feito acenos simpáticos ao mercado e ao público brasileiros. Semanas antes da estreia de "Narcos", a empresa anunciou a produção, em 2016, de sua primeira série inteiramente brasileira, a ficção futurista "3%".

    "Santo Forte", por fim, é claramente um projeto que busca atender à legislação brasileira, mas com apuro e a preocupação de surpreender. Vi apenas o primeiro episódio, o que dificulta o julgamento, mas fiquei bem impressionado.

    Encomendada a uma produtora brasileira (Moonshot Pictures) e dirigida por Roberto D'Avila, a história gira em torno de um taxista carioca (Vinicius de Oliveira, muito bem) que tem o "corpo fechado" e ajuda a solucionar problemas de seus passageiros. Como "O Hipnotizador", aposta num tom mágico e cinzento, mas ambientado nas ruas do Rio.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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