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    Maurício Stycer

    Grade de plástico

    13/09/2015 02h00

    Como se sabe, a grade de programação é determinante para estabelecer o hábito, ou "fidelização" do cliente, como se diz hoje –e isso se faz tanto de forma horizontal (mantendo-se um padrão de programação ao longo da semana) quanto vertical (repetindo-se os horários todos os dias).

    Em sua autobiografia, publicada em 2011, José Bonifacio de Oliveira Sobrinho, o Boni, dedica apenas dois parágrafos a esta questão essencial.

    "Outra balela que existe sobre a televisão brasileira é a que atribui a criação da grade a uma emissora ou a alguma pessoa. Nada disso. A grade existe desde que a televisão norte-americana entrou no ar e, nos anos 1940, não havia emissora de rádio que não tivesse a sua grade", escreve em "O Livro do Boni".

    O tom agressivo do comentário tem endereço certo. É uma referência a Walter Clark (1937-1997), que sempre se vangloriou de ter introduzido o conceito de grade na TV brasileira, na época da TV Rio, em 1960-61.

    Em "O Campeão de Audiência", sua autobiografia, originalmente lançada em 1991, mas esgotada havia muito tempo, Clark reconhece que o conceito "já estava careca de velho nos Estados Unidos", mas diz: "Fui eu quem criou a estrutura de grade de programação, assim como fui quem sempre lutou para fazer TV em rede no Brasil".

    O livro, essencial para quem se interessa pela história da televisão, finalmente ganhou uma segunda edição, pela Summus (400 págs., R$ 49,90). "Foi Clark quem 'amarrou' a programação com telenovelas diárias, que chamam público e induzem-no à fidelidade. Foi ele quem 'ensanduichou' as novelas com telejornais", diz o jornalista Gabriel Priolli, que ajudou o executivo a colocar as suas memórias no papel.

    Ao aceitar o convite de Roberto Marinho (1904-2003) para trabalhar na Globo, em 1965, Walter Clark afirma ter dito: "Vou construir uma estrutura que vai resistir aos tempos, a mim e ao senhor". Cinco décadas depois, parece cada vez mais claro que esta polêmica entre Boni e Clark sobre a grade, embora importante para a memória da televisão, diz pouco a respeito do seu futuro.

    O presente já mostra a grade da Globo cada vez flexível, seja buscando se adequar à fuga incessante de espectadores, seja procurando novas fontes de receita. Programas foram trocados de horários (a sessão de filmes vespertina, por exemplo) e outros foram cancelados (os infantis) nos últimos tempos.

    Mais impressionante, o coração da programação, o horário nobre, passa por grande instabilidade. O sempre pontual "Jornal Nacional", às 20h30, é coisa do passado. A novela das 21h começou outro dia às 21h50.

    Parte da responsabilidade por estas mudanças pode ser creditada à novela "Os Dez Mandamentos", da Record. Conseguindo roubar audiência, a concorrente está levando a Globo a fazer alguns malabarismos em sua grade.

    Acredito, no entanto, que a emissora tem consciência de que, cada vez mais, a guerra principal não se dará pela defesa de horários, mas sim pela produção de bom conteúdo.

    Esta semana, por exemplo, deixei de assistir dois capítulos de "A Regra do Jogo" no horário em que foram exibidos. Um, que gravei, vi na TV por volta da meia-noite e outro, um dia depois, assisti no player da emissora na tela do meu computador –ambos sem comerciais.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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