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    Maurício Stycer

    O prazer de ser enganado

    20/09/2015 02h00

    Ainda estamos em setembro, mas não parece difícil prever que, ao fazer um balanço de 2015, a Band terá que dedicar um agradecimento especial ao "MasterChef". O programa, uma franquia internacional já exibida em dezenas de países, salvou o ano da emissora em termos comerciais, de audiência e de repercussão.

    Mais bem-sucedida ainda que a primeira, exibida em 2014, a segunda edição do "reality show" deixou bastante claro uma coisa: a sugestão de realidade prometida por um programa desse tipo é menos importante para o público do que o entretenimento que ele, de fato, proporciona.

    É importante frisar esse aspecto porque, mesmo depois de 15 anos do primeiro "reality show" exibido no Brasil, ainda há a ilusão de que estas atrações pegam fogo por combustão espontânea.

    A própria indústria alimenta essa falsa expectativa. Se disputasse o Emmy Internacional, um prêmio concedido nos Estados Unidos a produções de TV não americanas, "MasterChef" seria enquadrado na categoria "non-scripted entertainment", ou seja, a dos programas sem roteiro.

    Os participantes, de fato, não seguem roteiros previamente escritos, mas todo "reality" conta com roteiristas, cuja função, entre outras, é a de organizar, agrupar e dar sentido narrativo ao material gravado.

    Mais importante, ainda, os protagonistas de qualquer "reality" interpretam papéis, mesmo que não recebam texto para decorar –e muitos, acredito, fazem isso de forma inconsciente, ao perceberem que determinado comportamento/atuação funciona bem no programa.

    O caso do trio de jurados do "MasterChef" me parece exemplar. Paola Carosella, Erick Jacquin e Henrique Fogaça foram os grandes trunfos da primeira edição. Carismáticos, donos de estilos próprios, todos rigorosos e ao mesmo tempo engraçados, eles dominaram a cena com broncas antológicas e piadas que "derrubaram" a internet.

    Na segunda edição, sem a mesma espontaneidade, eles interpretaram os papéis que criaram no ano anterior, realçando as características que agradaram mais ao público. Como se tivessem virado atores interpretando a si mesmos.

    Jacquin, o mais expressivo do trio, produziu inúmeros momentos cômicos com a sua estudada crueldade. Diante de uma moqueca de robalo com camarão servida na companhia de uma farofa de jaca, por exemplo, ele disse: "Isso aqui é péssimo. Não é muito péssimo, mas é péssimo".

    Assim como depende de roteiristas, um "reality show" não é nada sem os seus produtores de elenco. Isso ficou claro na seleção dos participantes do "MasterChef", bem aperfeiçoada em relação à primeira edição. Obedecendo a nítidos critérios "dramatúrgicos", o programa foi formado por um misto de vilões, mocinhas meigas, heróis destemidos, convidados trapalhões e os sempre necessários coadjuvantes.

    Uma série lançada neste ano nos Estados Unidos, chamada "UnReal" (à venda na Apple TV), se dedica justamente a mostrar a construção, do ponto de vista de teledramaturgia, de um "reality show". E a protagonista, não por acaso, é uma produtora de elenco.

    A série do canal Lifetime, ainda não exibida no Brasil, é bem pouco sutil na sua crítica à falta de realidade de um "reality show". Ser enganado por "MasterChef", confesso, é bem mais divertido.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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