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    Maurício Stycer

    O roubo do cajado de Moisés

    27/09/2015 02h00

    Por duas semanas, em "Os Dez Mandamentos", espectadores acompanharam os esforços da vilã Yunet para roubar o cajado de Moisés. A trama diz muito sobre a novela de Vivian de Oliveira e o seu sucesso.

    Personagem inventada pela autora, Yunet (Adriana Garambone) cometeu uma tonelada de maldades na primeira fase da novela, incluindo o assassinato do faraó Seti. Expulsa do palácio real por Ramsés, virou mendiga, até reaparecer no momento em que o Egito começou a sofrer com as pragas.

    Yunet convenceu seu comparsa, Corá (Victor Hugo), um hebreu descrente, que o poder de Moisés emanava do cajado –e não de Deus, como ele diz ao povo. A dupla, então, arquitetou o roubo da vara de madeira.

    Corá, primeiro, tentou furtá-la pessoalmente, sem sucesso. Pediu, então, ajuda aos dois filhos, que cumpriram a missão. De posse do cajado, Yunet foi recebida pelo faraó e conseguiu, em troca, ser perdoada por todos os seus crimes, além de ser readmitida na corte real.

    O roubo do cajado, porém, não impediu que o Egito sofresse as agruras de uma nova praga. Irritado, o faraó mandou que se livrassem daquele pedaço de madeira. E o sacerdote real, gente boa, conseguiu fazer com que o objeto chegasse de volta às mãos de Moisés.

    Toda essa trama teve dois objetivos. Primeiro, ajudou Vivian de Oliveira a encher linguiça –a duração da novela foi esticada, devido ao sucesso, e a autora está tendo que rebolar. Segundo, serviu para reforçar junto ao espectador a lição de que os hebreus estão sob o comando de Deus, não de um objeto.

    Essa mensagem é passada diariamente sob a forma de um texto bem simples e claro, primário mesmo, recitado em forma de jogral. Reproduzo a seguir uma conversa desta semana de Moisés com seu irmão Arão e seus três filhos:

    OSEIAS: Como foi a conversa com Deus, meu tio?

    MOISÉS: Ele me confortou. Disse para eu não ter medo. Me avisou que virá uma praga sobre os animais.

    ITAMAR: Quando, tio?

    MOISÉS: Amanhã. Mas disse que será somente sobre os que pertencem aos egípcios.

    ARÃO: Já contou ao faraó?

    MOISÉS: Sim. Acabei de voltar do palácio, Arão.

    ARÃO: E como ele reagiu?

    MOISÉS: Como sempre. Incrédulo, descrente.

    NADABE: Tio, o senhor chegou a perguntar pra Deus quem foi que roubou o cajado?

    MOISÉS: Achei melhor não incomodar o Senhor com isso. Mas no palácio tive a confirmação que o cajado está com Ramsés.

    Estimulados pela Record, que trata o sucesso da novela como uma espécie de vitória de Davi sobre Golias, espectadores (militantes?) compartilham a ideia de que "Os Dez Mandamentos" está cumprindo a missão (divina?) de derrotar a Globo.

    Entendo, porém, que as razões do sucesso devem ser buscadas fora desse campo de batalha. Esta é a quinta produção bíblica feita em sequência pela emissora. O horário escolhido para exibição, 20h30, revelou-se um grande acerto. A linguagem coloquial do texto ("Bem que eu pegava") aproxima o público.

    Mais que tudo, associo o êxito à simplicidade tanto da estrutura da novela quanto de suas mensagens. Personagens retos vivem amores impossíveis, traições, sofrimento e dor sem que o espectador tenha qualquer dúvida ou, mesmo, precise pensar. Nunca foi pequeno, e não dá sinais de diminuir, o universo de pessoas que deseja isso da televisão.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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