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    Maurício Stycer

    Exu, sushi erótico e hipnose

    11/10/2015 02h00

    A história da televisão brasileira é marcada, desde os anos 1960 até hoje, por ciclos de apelação exagerada. A baixaria costuma avançar ao sabor das pressões por audiência e reflui em resposta a críticas, ao olho feio do mercado publicitário e, eventualmente, à ação do Estado.

    A morte, em setembro, do diretor de cinema e TV Carlos Manga (1928-2015) trouxe à lembrança dois escorregões raros em sua carreira, ambos à época em que dirigiu o "Domingão do Faustão", nos anos 1990.

    Pressionado pela audiência de Gugu Liberato, no SBT, que exibia duelos entre homens e mulheres ensaboados no famoso quadro da banheira, Manga e Faustão perderam a cabeça por vezes, recorrendo a "freak shows" que entraram para a história.

    Num deles, em 1996, o apresentador expôs um menino com problemas de crescimento, apelidado de Latininho. Em outro, em 97, mostrou um "sushi erótico", no qual comensais pegavam as iguarias colocadas sobre o corpo de uma mulher nua.

    À Folha, na época, Faustão disse que ele e Manga agiram de comum acordo. "Ele também detesta apelação. Acontece que a concorrência nos pressiona, e a gente tem que enveredar pelo sensacionalismo."

    A disputa entre Faustão e Gugu emulou outra briga por ibope muito célebre, ocorrida 25 anos antes, entre Chacrinha (1917-88), na Globo, e Flavio Cavalcanti (1923-86), na Tupi.

    Em um domingo de agosto de 1971, os dois apresentadores exibiram ao vivo, em sequência, os dotes de uma mesma mãe de santo, Cacilda, que incorporava o exu Seu Sete da Lira.

    Segundo relato de Denílson Monteiro, em sua biografia sobre Chacrinha, até algumas chacretes entraram em transe durante o número.

    Já Léa Penteado, na biografia sobre Flavio, conta que os jurados da atração, de mãos dadas, fizeram uma corrente de fé e beberam cachaça do gargalo da garrafa passada por Cacilda, que vestia terno preto, capa vermelha e fumava charuto.

    Segundo Ana Paula Goulart Ribeiro e Igor Sacramento, em "História da Televisão no Brasil" (Contexto, 2010), antecipando-se a possíveis medidas mais duras da ditadura por causa dos shows de Seu Sete da Lira, Tupi e Globo assinaram um protocolo de conduta, no qual se comprometeram a não "explorar a crendice", bem como "qualquer tipo de charlatanismo".

    No documento, hoje peça de museu, as duas emissoras se comprometiam também a não apresentar "pessoas portadoras de deformações físicas, mentais ou morais", bem como promover concursos "nos quais se explore a miséria, a desgraça, a degradação e a tragédias humanas".

    Em 2015, a disputa dominical envolve vários protagonistas. Dois deles, em especial, Rodrigo Faro, na Record, e Eliana, no SBT, estão brigando feio. Armas muito comuns, de ambos, são justamente as "histórias de superação" ou de "reencontro".

    Sempre que o ibope cai, a produção providencia alguém para contar uma história bem triste sobre como deu a volta por cima ou achou um parente sumido há 20 anos.

    Há uma semana, Eliana apelou para um "show de hipnose". Entre as seis cobaias humanas levadas ao palco, uma delas dormiu em pé, por alguns minutos, a uma ordem do hipnólogo. Por sugestão dele, os seis riram ao "ver" a apresentadora nua. E um comeu cebola crua dizendo que tinha gosto de brigadeiro. A boa notícia é que, sem hipnotizar ninguém, Faro ganhou por 11 a 8.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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