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    Maurício Stycer

    'Meu nome é Brau'

    08/11/2015 02h00

    Um casal acorda de madrugada com barulhos na casa vizinha, em um condomínio de luxo, no Rio. Pelo binóculo, a mulher vê um homem negro dentro da piscina. "É ladrão! Você acha que esse cara pode ser dono disso tudo?" O marido olha e responde: "Não!".

    Acionado na sequência, o chefe da segurança do condomínio chega ao local e pede ao casal para sair da piscina. Logo, porém, os reconhece e o mal-entendido é desfeito. "Sou muito seu fã", diz. "Eles são muito famosos", explica aos vizinhos.

    Ele é Brau, um músico de muito sucesso, e ela é Michele, sua empresária e mulher. Diante da cara de pasmo dos vizinhos, o cantor pergunta: "Vocês realmente não sabem quem nós somos? Onde vocês moram?".

    A sequência toda toma cinco minutos e apresenta para o público, da forma mais didática possível, não apenas os personagens-chave de "Mr. Brau", como o pano de fundo da minissérie que a Globo estreou no final de setembro.

    Impactado com o que viu, o jornalista inglês Bruce Douglas escreveu no diário "The Guardian", no início de outubro: "Para o Brasil, um programa de televisão apresentar um casal negro rico como protagonista não tem precedentes".

    Criada por Jorge Furtado, com direção de Maurício Farias, a série tem explorado este tema em todos os episódios (terças, às 22h30), mas vai além. "Mr. Brau" trata também, sempre com humor e ironia, de meandros da indústria musical e do mundo das celebridades.

    Nos papéis principais, Lázaro Ramos e Taís Araújo estão se esbaldando. "Quando vejo comentários de que sou exemplo de mulher negra, que o Lázaro e eu somos um exemplo de casal negro, além de achar importante de existir isso, fico superorgulhosa. Não acho que é peso, não. É uma alegria, de verdade", disse a atriz à revista "Cosmopolitan".

    Apesar da temática, seria um erro enxergar "Mr. Brau" como série militante. Ao contrário, o programa está proporcionando ótimo entretenimento. Exibidos sete episódios, tem conseguido apresentar de forma natural, sem levantar a voz, as questões mais polêmicas que discute.

    Mesmo assim, não é possível dissociar "Mr. Brau" das ofensas racistas que a atriz Taís Araújo sofreu na semana passada, em sua página no Facebook. "Sei que meu caso não é isolado e é exatamente o que acontece com milhares de outros negros no país", disse ela depois de prestar depoimento à polícia, que busca identificar os autores dos comentários.

    A série de Jorge Furtado é a terceira obra de ficção da Globo a colocar o dedo na questão racial em 2015. A primeira tentativa se deu em "Babilônia", de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga. Infelizmente, como tudo o mais nessa novela, a história de Paula (Sheron Menezzes), criada na favela e formada em direito graças à política de cotas, foi esvaziada e ficou sem sentido.

    Já em "I Love Paraisópolis", de Alcides Nogueira e Mário Teixeira, o assunto mereceu tratamento mais digno. A dondoca Soraya (Leticia Spiller) foi processada depois de ofender sua terapeuta, Patricia (Lucy Ramos), no restaurante: "Tinha que ser preta". Condenada, prestou serviços comunitários na favela que deu nome à novela.

    A Globo dá sinais, enfim, de estar convencida de que a melhor maneira de combater o racismo é reconhecer a existência do problema.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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