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    Maurício Stycer

    Fogo amigo

    06/12/2015 02h00

    Executivo da Globo por 31 anos, boa parte deste tempo no topo da cadeia de comando, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho acumula enorme conhecimento sobre os bastidores da emissora e, sempre que fala a respeito, dá sinais de que ainda tem muito o que dizer.

    Em sua biografia, "O Livro do Boni", publicada em 2011, enalteceu os seus feitos, deu crédito aos muitos amigos, colocou panos quentes em temas polêmicos, distribuiu elogios e reproduziu inúmeros lugares-comuns ao longo de 464 páginas.

    Agora, comemorando 80 anos, Boni decidiu lançar um novo livro, "Unidos do Outro Mundo", no qual se imagina morto em diálogo com figuras importantes de sua trajetória profissional e pessoal, igualmente já falecidas.

    Ainda que mal escrito e piegas, o livro merece atenção, bem como as entrevistas que está dando para promovê-lo. Como sempre, a fala de Boni oferece pistas para se entender conflitos existentes nos bastidores da emissora.

    Quase 20 anos depois de sua saída, ainda há muita gente na Globo que o enxerga como um oráculo –o homem que sabe o caminho, mas infelizmente não está mais no comando.

    Além da conhecida insatisfação com o "Fantástico", programa que criou em 1973 (e hoje o "mata de raiva"), Boni tem coisas a dizer sobre as novelas e o jornalismo da Globo.

    Em uma conversa imaginária com Dias Gomes (1922-1999), critica o horário em que a antiga "novela das oito" está indo ao ar, por volta das 21h30. "Começando muito tarde, as pessoas vão dormir e perdem o final. No dia seguinte não sabem onde parou e nem o que está acontecendo. A audiência vai pro chão."

    Por meio de Janete Clair (1925-1983), reclama do "desfile incessante de pessoas más" nas tramas, da tentativa de humanizar vilões ("seis meses disso ninguém aguenta") e da falta de personagens masculinos bem definidos.

    "Erram na história, na dramaturgia, na escolha do elenco e depois jogam a culpa no pobre do telespectador, chamando a sociedade de conservadora", escreve Boni, numa clara referência à equipe envolvida na novela "Babilônia".

    Sobre o jornalismo, "conversando" com Armando Nogueira (1927-2010), reclama da linha de informalidade adotada pelo "Jornal Nacional", criado em 1969. "Brincadeiras, conversa para boi dormir, apelidos e intimidades são para os jornais locais e regionais", escreve.

    "O 'Jornal Nacional' deveria ser um diário oficial, sério, consistente, rico em informações importantes e sem qualquer frescura. Objetivo, conciso e com um tempo determinado, para evitar assuntos fracos."

    Boni ainda lamenta o excesso de futebol na grade da Globo e, evocando Chico Anysio (1931-2012), o "humor sem graça" hoje na emissora.

    O livro também serve para acertos de contas. Justifica ter demitido, em 1972, Chacrinha (1917-1988), por "se igualar ao patamar de Flávio Cavalcanti (1923-1986)", mas se diz culpado por ter feito o mesmo, em 1969, com Dercy Gonçalves (1907-2008).

    O calcanhar de Aquiles de Boni continua sendo o episódio da demissão de Walter Clark (1936-1997). O executivo demorou 25 anos para responder ao livro "O Campeão de Audiência", no qual Clark o acusa de ter contribuído para a sua demissão do comando da Globo, em 1977.

    "Não li o livro", insiste Boni. "Você traiu a si mesmo, Walter. Nunca movi uma palha para que você saísse da Globo." Infelizmente, os mortos não falam.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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