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    Maurício Stycer

    Para inglês ver

    27/12/2015 02h00

    Ainda que em ritmo bem mais lento do que nos Estados Unidos, as mudanças provocadas pela revolução digital estão alcançando –e modificando– a indústria da televisão no Brasil.

    O ano de 2016, não é difícil prever, vai deixar ainda mais claro o quadro que se desenha para os consumidores, os principais beneficiários das alterações em curso. Operadoras de TV paga, canais abertos, serviços de streaming e produtores independentes de conteúdo, cada um em seu terreno, sabem que perder o passo nessa corrida pode ser fatal.

    O lançamento, já no dia 4 de janeiro, de "Ligações Perigosas", é um bom indicador de como a Globo enxerga o cenário. No papel de principal protagonista da indústria, a emissora está fazendo um movimento bem peculiar com esse produto.

    Em dez episódios, a série é a segunda gravada pela Globo em 4K, uma tecnologia que produz uma imagem com quatro vezes mais resolução que o HD. Em 2014, a emissora captou "Dupla Identidade" nesse formato. Segundo Vinícius Coimbra, diretor de "Ligações Perigosas", a gravação em 4K encarece a produção em 30%.

    Para usufruir do benefício dessa imagem com maior qualidade é preciso ter um aparelho de televisão compatível. Hoje já há alguma oferta no mercado, com preços começando em R$ 2,5 mil.

    Está claro, portanto, que a Globo não captou "Ligações Perigosas" em 4K para oferecer um produto diferenciado ao grande público.

    Para a minoria que possui um aparelho compatível, a emissora vai oferecer o primeiro capítulo já em 1º de janeiro, três dias antes da estreia na TV aberta. Para isso, basta acessar o aplicativo Globo Play disponível na televisão 4K. O procedimento é semelhante ao de quem vê séries ou filmes da Netflix no aparelho de TV.

    É dessa forma que, vislumbra-se, a maioria das pessoas vai consumir conteúdo audiovisual no futuro próximo –por meio de aplicativos conectados a diferentes aparelhos.

    Outro aspecto que chama a atenção em "Ligações Perigosas" é o conteúdo. Por que adaptar mais uma vez o romance epistolar de Choderlos de Laclos (1741-1803)? A obra, como se sabe, já foi objeto de dezenas de versões, algumas bem conhecidas.

    A adaptação de Manuela Dias transporta a ação para os anos 20 do século passado, em uma cidade portuária. Ainda que a referência tenha sido Santos, a direção se esforça em esconder qualquer traço identificador. Várias cenas foram gravadas na Patagônia e outras em uma fazenda no norte da Argentina.

    "As casas coloniais de fazendas no Brasil são todas muito parecidas. Se filmasse em uma delas ia ficar parecendo novela do Benedito Ruy Barbosa", explicou Coimbra.

    Mostrar que a história pode se passar em qualquer lugar, e não no Brasil, revela o interesse da Globo, na minha opinião, em sinalizar para o mercado internacional que é capaz de produzir conteúdo sem "sotaque". A emissora parece querer dizer que está apta a participar de coproduções com parceiros estrangeiros.

    Vi os dois primeiros episódios de "Ligações Perigosas". Somando a tecnologia 4K, o texto francês, os cenários sem pátria, a excelente produção e o elenco de primeira (Patrícia Pillar, Selton Mello e Marjorie Estiano), é possível dizer que a Globo fez uma ótima série para inglês ver.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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