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    Maurício Stycer

    Anacrônico e provinciano

    03/01/2016 02h00

    Nesta altura do século 21, não faz mais nenhum sentido a Associação Paulista dos Críticos de Arte conceder um prêmio anual ao melhores da televisão.

    Em primeiro lugar, porque é anacrônico. Em um país com cinco grandes emissoras exibindo programação nacionalmente, soa provinciano demais carimbar um prêmio como "paulista". Ainda que haja produção de conteúdo regional, o que se faz de mais relevante hoje na TV aberta é exibido em rede (com diferença apenas de fusos horários). A TV paga, mais ainda, exibe programação empacotada de forma idêntica para os seus clientes. Um episódio inédito de "Game of Thrones" hoje é exibido com poucas horas de diferença entre os Estados Unidos e o Brasil.

    Em segundo lugar, porque não há críticos de TV em número suficiente para montar um júri em São Paulo. Na mais recente edição do prêmio da APCA, havia apenas um crítico especializado entre os oito jurados - crítico muito bom, por sinal, o catarinense Nilson Xavier. Os demais são jornalistas que escrevem sobre TV, mas sem foco principal em crítica.

    E, em terceiro lugar, porque a premiação cada vez mais se assemelha a um referendo baseado em popularidade, não em qualidade. É o caso, por exemplo, do prêmio de melhor novela a "Verdades Secretas", uma trama que fez muito sucesso a despeito dos seus gritantes problemas.

    Grazi Massafera, eleita melhor atriz, comoveu o público por interpretar uma modelo que se torna viciada em crack. Merece elogios, mas dificilmente venceria Irene Ravache ("Além do Tempo"), Drica Moraes ("Verdades Secretas") ou Regina Duarte ("Sete Vidas"), entre outras, em uma eleição mais criteriosa.

    "MasterChef Brasil" ganhou como melhor programa em sua segunda temporada, sem que tenha ocorrido nada de diferente em relação à primeira. Quer dizer, em 2015 a audiência e a repercussão foram maiores do que em 2014.

    Limitado a sete prêmios por ano, a APCA deu um "Grande Prêmio da Crítica" a Silvio Santos, "pela trajetória na TV brasileira". Silvio, de fato, é uma lenda da televisão, mas daí a merecer um prêmio com título tão pomposo e vazio vai uma grande diferença.

    Além desta homenagem, também houve uma "Menção Honrosa" ao programa "Mulheres", exibido há 35 anos pela TV Gazeta. Detalhe: um dos jurados, Leão Lobo, já participou deste programa e hoje atua em um outro, "Revista da Cidade", na mesma emissora.

    Talvez já seja a hora de se pensar na criação de uma associação nacional de críticos de televisão. Há uma nos Estados Unidos com mais de 200 integrantes. Para participar é preciso ser um profissional dedicado integralmente ao oficio de escrever sobre televisão.

    A Television Critics Association (TCA) oferece um prêmio anual, escolhido por seus membros. Também realiza, duas vezes por ano, encontros abertos a todos os participantes com os principais nomes da indústria da televisão. Nestas entrevistas, em Los Angeles e Nova York, executivos frequentemente fazem anúncios de novos projetos e dão explicações sobre fracassos e sucessos em andamento.

    Sei que este texto pode ser mal interpretado, mas corro o risco mesmo assim. Entendo que, neste momento de enormes transformações pelo qual passa a televisão, se faz necessário tratar de forma mais séria o ofício da crítica especializada.

    mauriciostycer@uol.com.br

    @mauriciostycer

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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