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    Maurício Stycer

    Nem informa nem diverte

    20/03/2016 02h00

    "Encontro com Fátima Bernardes" ainda é, quase quatro anos depois de sua estreia, em junho de 2012, um dos grandes enigmas da televisão.

    Trata-se de um programa de auditório matinal diário, comandando por uma ex-apresentadora do "Jornal Nacional", com uma pauta tão eclética quanto carrinho de feira, comentada por atores da Globo e "especialistas" em dissertar sobre o óbvio.

    Não falta, também, uma atração musical, sempre divulgando o trabalho da hora. E, não menos importante, brincadeiras no palco, planejadas para causar embaraço aos convidados ou à própria apresentadora, como rebolar até o chão, andar de patins e escalar um poste de dança.

    Fátima Bernardes não é a primeira jornalista no comando de um programa de entretenimento, mas o seu programa é certamente o mais elaborado e difícil de entender.

    Não espanta que até a universidade já tenha se debruçado sobre o assunto. No recém-publicado "O Jornalismo Diversional de Fátima Bernardes" (Primavera Editorial, 128 págs., R$ 29,90), Roseméri Laurindo resume as conclusões a que chegou no âmbito de uma pesquisa de pós-doutorado.

    O interesse inicial da pesquisadora é entender e classificar "Encontro com Fátima Bernardes" com base no sistema de gêneros jornalísticos. Na sua visão, o programa se enquadra no que alguns estudiosos da comunicação chamam de "jornalismo diversional", "" "informação que diverte".

    Mas Fátima é mais que isso, diz Laurindo, uma vez que também dá informações, opina e interpreta acontecimentos. Ela é uma "autora-jornalista", com credibilidade para cumprir estas tarefas. E é também uma "autora-marca", afirma, ao se colocar na posição de garota-propaganda de produtos.

    A pesquisadora vê este conjunto de características com sinal positivo e enxerga Fátima Bernardes como um raro talento a serviço de uma iniciativa original.

    "A palavra intergêneros permite significados mais coerentes para abrir um leque de percepções sobre as modalidades comunicativas de Fátima Bernardes em seu programa, que sustentam o formato televiso de caráter jornalístico diversional, ação pioneira na Rede Globo".

    Roseméri Laurindo entende que a atração é bem-sucedida no esforço de não ser nem elitista nem popularesca. É verdade. Mas o que resulta deste equilíbrio, na minha visão, é um programa insípido, absolutamente sem sabor. Parece proibido debates surpreendentes, com visões de fato antagônicas, no auditório.

    A pesquisadora vê como qualidade o fato de o programa frequentemente debater temas relacionados às novelas da emissora. "Reafirma e amplia a relação da telenovela com a sociedade". Para mim, isso tem outro nome: promoção.

    Em uma análise da pauta de dez programas ao longo de quatro meses, Laurindo constatou que novelas da Globo foram mencionadas de forma direta ou indireta em oito dias.

    Em 2012, comparei o programa a um veleiro sofisticado padecendo da falta de vento em alto-mar. Um programa que falava sobre tudo, mas não dizia nada. Ainda mantenho esta impressão, mas a atualizo: é também um bem embalado "house organ" da Globo.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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