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    Maurício Stycer

    Punição exemplar

    01/05/2016 02h03

    O afastamento da presidente Dilma ainda depende do Senado, mas a votação que admitiu a abertura do processo de impeachment, realizada há duas semanas na Câmara dos Deputados, teve como efeito imediato tirar do ar um apresentador da Record.

    O afastamento de Geraldo Luís, por decisão sem consulta aos espectadores, ocorreu em função de um comentário feito naquele domingo histórico e fatídico. O seu programa vespertino, o "Domingo Show", foi encurtado por conta do interesse da emissora em exibir, mais cedo, a cobertura sobre a votação em Brasília.

    Irritado com a edição feita em uma das reportagens que mostrou, Geraldo desabafou, ao vivo, no final do programa. "O 'Domingo Show' tem todo esse sucesso porque, graças a Deus, a Record me permite ser quem eu sou. Tudo o que eu sinto eu falo. Eu sou muito feliz nesta casa, mas quero dizer que fiquei muito triste hoje", disse inicialmente.

    "Como um contador de histórias, é muito difícil ver uma matéria como eu vi a minha agora ser... [cortada]. Não façam mais isso. Porque eu faço com tanto amor. Eu brigo pela Record. Tem gente que está aqui e não briga. Cospe no prato que come. Eu não. Eu brigo. Não sou covarde", prosseguiu.

    "Por isso, quando vejo uma matéria minha que poderia ter rendido mais, eu brigo mesmo. Que pena. Não façam mais isso que vocês fizeram comigo. Pelo amor que eu tenho por esta emissora. Por favor, não façam mais isso com a minha matéria. Em respeito profissional a mim também", encerrou.

    Foram 60 segundos, no total. O suficiente para a emissora escalar um novo apresentador, Luiz Bacci, para comandar a atração já no domingo seguinte (24/4).

    Não tenho nenhuma simpatia pelo programa, um dos mais sensacionalistas da televisão, nem por seu apresentador, que sempre adotou uma postura populista para justificar as apelações que exibia ("faço TV para o povo"). Mas acho chocante o gesto da emissora.

    Concordo que Geraldo errou em criticar publicamente a Record. Mas não disse nada tão pesado assim, nem ofensivo a ninguém.

    A emissora talvez esteja usando o caso como pretexto para resolver alguma situação interna. Também pode estar querendo, com esta punição, transmitir um recado aos demais apresentadores. Qualquer que seja a intenção, no entanto, o resultado aparente expõe a dificuldade em lidar com críticas e uma mão muito pesada na gestão de pessoal.

    A situação é complexa mesmo. No período que antecedeu a votação na Câmara, diversos artistas contratados da Globo se manifestaram a favor de Dilma e, em alguns casos, endossaram críticas à cobertura que a emissora estava fazendo dos eventos.

    No caso mais rumoroso, Monica Iozzi disse: "Meu Deus!!! Que momento triste vivemos. Como estamos equivocados, cegos. Somos um povo que se informa apenas por manchetes do JN"¦" Não foi, porém, um comentário feito na própria Globo, mas no Twitter.

    A emissora tem, até o momento, engolido a seco as críticas: "A Globo não se manifesta publicamente sobre comentários pessoais, equivocados ou não, de seus contratados", disse, em resposta a um questionamento meu, em março. Espero que continue assim.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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