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    Maurício Stycer

    Da censura à atualidade, livro mostra novelas mudadas por pressão externa

    07/08/2016 02h05

    O processo que caracteriza a produção de novelas se diferencia de qualquer outro na indústria do entretenimento pelo fato de que os autores podem mudar o rumo de suas tramas no meio do caminho, em função da recepção do público.

    Mantendo uma dianteira de não mais do que 20 capítulos em relação ao que está no ar, o autor costuma garantir uma margem de manobra para todo tipo de ajuste. E não estou falando apenas de mudanças abruptas na personalidade de personagens como também de alterações até no próprio gênero da trama (um drama social virar melodrama, ou um núcleo sério virar cômico etc).

    Caiua Franco/Globo
    Velho Chico ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Cena de "Velho Chico", cuja audiência tem dado respaldo à liberdade criativa dos autores do folhetim

    Essa flexibilidade talvez seja o principal fator a condenar a telenovela à posição de gênero menor, subalterno, em relação a outras formas de expressão audiovisuais e literárias.

    Não à toa, muitos autores adotam uma posição de distanciamento em relação à própria obra. "Você tem que falar a linguagem do espectador. Não pode ser uma linguagem intelectual. Por mais que os temas sejam sérios, têm que ser populares, tratados com leveza", disse Aguinaldo Silva, por exemplo, em recente "Roda Viva".

    No recém-lançado "Novela - A Obra Aberta e Seus Problemas" (Giostri, 220 págs., R$ 49), o jornalista Fábio Costa reúne centenas de casos de alterações ocorridas em meio a folhetins em andamento.

    O livro é uma espécie de almanaque sobre o assunto, agrupando as mudanças segundo diferentes tipos de causa –censura, pesquisas, doenças, mortes, brigas, gravidez, sucesso e fracassos, entre outros.

    Leitura das mais divertidas, o livro seria mais útil ainda se, além da enumeração, tivesse a ambição de analisar o que há por trás desse processo de criação das novelas.

    Salta aos olhos, por exemplo, que o efeito da Censura Federal sobre as obras nos anos 1970 não foi muito diferente do que ocorreu em diversos folhetins mais recentes, cujos autores se submeteram à pressão do público em questões morais e de costumes.

    Outra questão essencial que escapa à análise de Costa é o caminho que leva um autor a provocar pequenos ou grandes terremotos em sua novela para atender aos anseios sugeridos pelo espectador em pesquisas.

    A Globo nunca divulga o resultado desses seus estudos, realizados de forma cíclica, mas trechos de conclusões costumam vazar para a imprensa especializada. Nesse noticiário, aliás, nunca fica muito claro o que é "vox populi" e o que é desejo da própria emissora.

    Um caso curioso ocorreu com Gilberto Braga em 2015. Irritado com a ordem para que reelaborasse aspectos básicos de "Babilônia", apesar de terem sido previamente aprovados pela própria Globo, o autor revelou o conteúdo de algumas alterações, entre as quais a transformação de um personagem gay em heterossexual.

    Por fim, tomo a liberdade de sugerir a adição de um capítulo ao livro de Costa. Seria dedicado aos autores que, mesmo pressionados, resistiram sem alterar o rumo de suas novelas.

    "Velho Chico" está aí para mostrar que nem sempre o que o público ou a direção da emissora desejam é o melhor para uma novela. Benedito Ruy Barbosa e o diretor Luiz Fernando Carvalho têm resistido firme às sugestões para que alterem elementos fundamentais da trama e da encenação.

    A audiência superior às duas anteriores no horário tem servido como argumento para manter a integridade da obra. Ainda bem.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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