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    Maurício Stycer

    Irrelevantes, talks shows ignoram a política e focam o entretenimento

    25/09/2016 02h03

    Foi preciso Jimmy Fallon entrevistar Donald Trump na noite de 15 de setembro para os norte-americanos se darem conta de que o formato de talk show, tal como consagrado no país, está em fase agônica.

    Foi uma entrevista típica de Fallon. Começou com amenidades, prosseguiu com brincadeiras e culminou, como sempre, com uma gracinha calculada para repercutir nas redes sociais.

    "Na próxima vez que eu te encontrar, você pode ser presidente dos Estados Unidos. Queria saber se a gente pode fazer uma coisa que não é nada presidencial", disse Fallon. "Tipo o quê?", perguntou Trump, fingindo desconhecer o teor da proposta, informada a ele previamente.

    Fallon pediu para mexer no cabelo sempre encharcado de laquê de Trump. Ele topou, e o comediante, feliz como uma criança, o deixou todo desalinhado.

    Andrew Lipovsky/AFP
    This handout photo provided by NBC THE TONIGHT SHOW shows Republican Presidential Candidate Donald Trump (L) during an interview with host Jimmy Fallon in New York on September 15, 2016. / AFP PHOTO / Episodic / Andrew Lipovsky / RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT "AFP PHOTO / NBC / Andrew Lipovsky" -NO SALES, NO ARCHIVING, NO MARKETING, NO ADVERTISING CAMPAIGNS - DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS ORG XMIT: Season: 3
    Jimmy Fallon bagunça o cabelo de Trump em programa que foi ar na noite no dia 15/9

    Nos dias que se seguiram, Fallon foi alvo de críticas duras, tanto de analistas políticos quanto de colunistas de TV –todos inconformados com a falta de ambição do entrevistador e com o tratamento gentil oferecido ao candidato republicano neste momento crucial da campanha eleitoral.

    O ataque mais surpreendente partiu de uma colega de profissão, a comediante Samantha Bee. "Executivos das redes de TV, e boa parte de seu público, podem ignorar o quanto Trump é perigoso porque, para eles, ele não é", disse em seu programa, "Full Frontal" (TBS).

    Mesmo quem não concorde com a crítica de Samantha ao político há de reconhecer que ela foi ao ponto ao falar do caminho tomado pelos talk shows: "Ele (Trump) está tornando perigosa, de forma palpável, a vida para muçulmanos e imigrantes, mas, opa, ele é bom entretenimento!".

    No único comentário que fez a respeito das críticas, Fallon foi honesto ao observar: "Nunca pego pesado com ninguém".

    Com cara e jeito de bom moço, ele é hoje o símbolo maior da transformação dos talk shows. Substituiu Jay Leno no horário nobre da NBC em 2014 e concorre com Stephen Colbert (CBS) e Jimmy Kimmel (ABC). Estes dois têm estilo mais crítico e menos dócil do que Fallon, mas igualmente se renderam à obrigação de promover brincadeiras com seus entrevistados.

    Comparada à entrevista de Fallon com Trump, o criticado encontro de Jô Soares com a então presidente Dilma, em 2015, é digno de um prêmio de jornalismo. O apresentador da Globo não foi rigoroso como um jornalista seria, mas tratou de vários temas polêmicos e relevantes na conversa.

    Jô é herdeiro da tradição de Johnny Carson, seguida por Leno e David Letterman –comediantes inteligentes, rápidos no gatilho, mas preocupados, além do entretenimento, com a relevância de seus programas

    Já Fábio Porchat, que acaba de estrear um talk show na Record, segue fielmente a cartilha de Fallon. Com uma boa equipe de redatores, busca sempre encontrar a gracinha que vista o figurino do entrevistado.

    Danilo Gentili, no SBT, faz a mesma coisa, mas sem a simpatia e o estofo do concorrente. Marcelo Adnet, na Globo, cometeu o equívoco de acreditar que seria apresentador de um programa do gênero, quando foi, na verdade, escalado para hospedar um "Vídeo Show" noturno.

    Forçado a deixar a bancada na Globo, Jô Soares passará o bastão para Pedro Bial. É uma decisão interessante porque vai na contracorrente. Bial não tem humor nem é afiado como o Gordo, mas está bem mais próximo dele do que de Porchat ou Gentili.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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