• Colunistas

    Saturday, 04-May-2024 19:36:39 -03
    Maurício Stycer

    'Tá no Ar' cede pela primeira vez a pressão externa e corta piada

    12/02/2017 02h25

    Vai ao ar depois das 23h, dura 25 minutos e dá menos audiência do que reprise de novela à tarde. Ainda assim, o humorístico "Tá no Ar" é hoje um dos raros programas da Globo que dá algum prestígio à emissora junto a formadores de opinião.

    Tendo como matéria-prima o próprio universo da televisão, a atração ri abertamente do que há de mais caricato, sensacionalista, grosseiro e ofensivo na programação da Globo e de suas concorrentes.

    No ar desde o final de janeiro, a quarta temporada mostra que o desafio de se manter em alto nível foi superado. O programa continua com as garras afiadas, surpreendente e engraçado.

    Nem tudo é novidade no cardápio semanal. É visível a insistência em alguns temas, como a sátira ao jornalismo policial vespertino, a pilhéria com o excesso de religião na TV e o deboche dirigido ao universo de "ricos e famosos" que frequenta a ilha de Caras e o programa de Amaury Jr..

    Há quem enxergue falta de repertório nesta repetição de alguns quadros. Prefiro ver como assinaturas do "Tá no Ar", uma maneira de mostrar o compromisso do programa com esses assuntos.

    Outra área sensível que o humorístico mantém em seu radar é a publicidade. Continuam cortantes as piadas com os excessos cometidos em nome de marcas que investem fortunas em campanhas. Trata-se de terreno minado, pelos interesses comerciais envolvidos, o que permite afirmar que só vai ao ar por contar com apoio irrestrito da emissora.

    Em julho de 2015, escrevendo sobre a gênese do "Tá no Ar", relatei aqui na "Ilustrada" ("A fila andou e deixou mágoas") que Marcius Melhem, ao ser convidado a dar ideias para um novo programa de humor, avisou: "Se não tirar o [departamento] jurídico da frente, não dá para fazer humor".

    Era uma referência, justamente, a restrições que vigoravam no passado e contribuíram para a perda de vigor de outros humorísticos, entre os quais o "Casseta & Planeta", que reinou na década de 90 do século passado.

    Como os fundadores do Casseta já falaram, os vetos a piadas com marcas de produtos, programas da concorrência e crítica política muito explícita cresceram na mesma proporção que o sucesso do programa.

    Nestes quatro anos do "Tá no Ar", até onde se sabe, a equipe de criação, liderada por Melhem, Marcelo Adnet e Mauricio Farias, tem tido liberdade total -o que transparece na tela.

    Esta semana, porém, pela primeira vez, o programa cedeu diante de uma pressão externa. Uma paródia do desenho infantil "Peppa Pig", transformada em "Treta Pig", exibida em 31 de janeiro, levou a empresa britânica Entertainment One a notificar a Globo.

    Os termos da queixa não foram divulgados nem pela dona dos direitos do desenho nem pela emissora brasileira, mas a reação desta última foi excluir o quadro do programa, até então disponível em seu aplicativo on-line.

    Trata-se de algo pequeno, uma piada de 90 segundos apenas. Nada que afete a reputação de uma atração que tem dado seguidas demonstrações de liberdade, coragem e espírito crítico. Mas não deixa de ser preocupante que uma exceção tenha sido aberta.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024