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    Maurício Stycer

    Por que a revolução digital deu mais relevância à crítica de TV

    16/07/2017 02h00

    A crítica de televisão sempre foi uma atividade de baixo prestígio no Brasil. Essa imagem se perpetuou em razão, principalmente, do caráter muito popular e "descartável" da programação da TV aberta.

    Outro problema é que o crítico de TV sempre foi visto como "arquiteto de obra pronta". Pela natureza da mídia, o trabalho muitas vezes se restringia a comentários sobre programas já exibidos. De que adianta escrever sobre algo que foi ao ar uma vez e nunca mais será visto?

    Talvez, por isso, Renata Pallottini tenha escrito no seu "Dramaturgia de Televisão" (Perspectiva, 2012) que na novela, "gênero no qual a audiência, e só ela, define o bom resultado", a boa crítica é um "prêmio de consolação".

    A tecnologia auxiliou o profissional dessa área. O videocassete e o DVD, inicialmente, ajudaram a dar alguma perenidade a programas nascidos na televisão, mostrando que eram menos descartáveis do que aparentavam.

    No momento em que "caixas" com séries e novelas começaram a ser comercializadas, o crítico não apenas teve a possibilidade de rever determinadas obras, como a sua opinião passou a ter algum valor para o mercado.

    Mas foi, sobretudo, a revolução digital que alterou drasticamente a forma de atuar do crítico e a percepção externa sobre o seu trabalho. Hoje, as principais emissoras de TV aberta mantêm à disposição do espectador (e do crítico) os seus programas na internet.

    Apesar dos diferentes graus de qualidade e profissionalização dos serviços oferecidos, já é possível ver ou rever qualquer coisa que foi exibida na TV um dia (ou horas ou minutos) antes. O capítulo de novela que vai ao ar à noite pode ser revisto em qualquer tempo.

    Nos EUA, a audiência acumulada por um episódio de série nos sete dias seguintes à sua primeira exibição tem mais valor para o mercado do que a registrada no momento em que foi ao ar.

    A Globo vem adotando a política de convidar jornalistas e críticos para assistir previamente ao primeiro capítulo de suas séries. É insuficiente para um bom juízo, claro. Mas é um avanço.

    Li há pouco "Better Living Through Criticism" (Penguim Press, 2016), um estudo sobre a importância da crítica, no qual A. O. Scott, o principal crítico de cinema do jornal "The New York Times", combina refinada pesquisa com a sua experiência pessoal.

    Bem-humorado, ele escreve: "A história da crítica, além de ser um compêndio de opinião, análise e debate, é também –e talvez de forma mais notável– um ciclo sem fim de queixa e acusação, uma série de protestos contra a atividade da própria crítica e, em particular, contra a cegueira, estupidez e agressão destrutiva de seus praticantes."

    Escrevendo sobre televisão em blog há quase dez anos e mantendo esta coluna no caderno "Ilustrada" desde 2012, tenho notado mudanças na percepção do trabalho do crítico. Ainda que o seu prestígio não se equipare ao do profissional de outras áreas, são nítidos os progressos.

    Por "progressos" entenda-se justamente o fato de que o trabalho de diferentes críticos de TV frequentemente provoca reações do tipo das relatadas por Scott. Acertando ou errando, é com prazer, sou obrigado a dizer, que acompanho eventuais protestos de apresentadores, autores, diretores e, não menos importante, de espectadores. São um claro sinal da compreensão de que a crítica não é mais apenas um prêmio de consolação.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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