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    Maurício Stycer

    Globo muda política e deixa jornalista de esportes fazer publicidade

    10/12/2017 02h00

    Jornalista pode fazer publicidade, apregoar marcas no ar ou atuar como garoto-propaganda em campanhas comerciais?

    Este é um debate antigo, até hoje sem consenso, na televisão. Especialmente no jornalismo esportivo, essa questão é tratada pelos profissionais do meio com a mesma passionalidade que se vê em um jogo entre os rivais Corinthians e Palmeiras.

    Por muito tempo, a Globo se destacou por ter uma posição clara contra esta prática. Não apenas os jornalistas, mas também os narradores esportivos da emissora sempre foram proibidos de mencionar marcas e de fazer publicidade fora do ar.

    Uma mudança drástica ocorreu em 2017. O esporte da Globo deixou de ser considerado como um segmento natural do jornalismo. Ganhou autonomia e está estabelecendo regras próprias, que o aproximam do entretenimento. Nessa área, como se sabe, os profissionais estão autorizados a atuar em comerciais e a fazer ações de merchandising nos próprios programas.

    Nessa nova realidade, tornou-se possível, por exemplo, que o jornalista Felipe Andreoli seja ao mesmo tempo apresentador do "Esporte Espetacular", um jornalístico de três horas de duração aos domingos, e garoto-propaganda de uma marca de desodorante.

    Em 2018, tudo indica, os narradores esportivos da Globo vão mencionar no ar as marcas que são patrocinadoras das transmissões de futebol da emissora.

    Ao responder a um questionamento que fiz a respeito, a emissora explicou que está fazendo ajustes e adendos aos contratos de seus profissionais para permitir que eles façam publicidade. E disse: "A nova unidade do Esporte tem como uma das frentes ampliar o olhar sobre oportunidades junto aos clientes, estudando inclusive modelos mais próximos ao entretenimento".

    No caso de Andreoli, a justificativa é que ele foi contratado originalmente para atuar na área de entretenimento ("Encontro com Fátima Bernardes") e "carregou" o contrato vigente ao assumir o comando de um programa jornalístico na área de esportes.

    Avener Prado/Folhapress
    O jornalista e apresentador Felipe Andreoli
    O jornalista e apresentador Felipe Andreoli

    Dessa forma, a Globo se iguala a outras emissoras que não enxergam problema em ver os seus jornalistas emprestarem nome e credibilidade a marcas. Tanto na TV aberta quanto na paga, há hoje profissionais louvando as qualidades desde cerveja até de um site de jogos de azar britânico.

    Diferentemente de um ator, cujo talento é medido pela capacidade de atuar, de usar "máscaras", um jornalista, a grosso modo, só vale pelas verdades que diz. É evidente que, ao anunciar as qualidades de uma marca, qualquer que seja, o profissional que vive de noticiar ou descrever a realidade está sujeito a enormes conflitos de interesse.

    Juca Kfouri, que já se envolveu em várias brigas por considerar incompatível jornalista fazer publicidade, gosta de lembrar de outro aspecto —a dor na consciência de imaginar que um consumidor possa se prejudicar por causa de um produto anunciado por um profissional de mídia.

    Além dessa guinada na área de esportes, a Globo enfrenta outra dificuldade, também relacionada com a publicidade. Diz respeito ao investimento que alguns dos seus profissionais do jornalismo fazem nas redes sociais.

    Reunindo enormes fãs-clubes, alguns apresentadores expõem detalhes de suas vidas privadas como astros de novelas —e, eventualmente, divulgam nomes de restaurantes, marcas de roupas e, até, de organizadores de festa de casamento. É feio. E não pode.

    mauricio stycer

    É jornalista, repórter e crítico e autor de 'Adeus, Controle Remoto'.
    Escreve aos domingos.

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