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    Michel Laub

    Resumo do circo

    27/03/2015 02h00

    Ódio: o que o grupo político rival sente. Já nós somos cândidos e gostamos de ouvir o contraditório.

    Golpe: está constantemente sendo promovido pelo grupo rival na mídia, no judiciário, no aparelhamento de estatais, na doutrinação de escolas e universidades.

    Classe média: todo mundo o é quando fala do próprio salário, ninguém o é quando discute cultura ou moral.

    Povo: entidade cuja versão não manipulada aparece somente nas manifestações que apoiamos, sejam elas a marcha na Paulista em 2015, as jornadas de junho de 2013, o "Fora, FHC" ou os caras-pintadas vestindo as cores da CBF.

    PM: instituição tão competente na contagem de multidões quanto em direitos humanos.

    Militante de direita: indivíduo com diferentes aplicações dos conceitos de competência e ética se a riqueza natural em debate for água ou petróleo, se o meio de transporte for metrô ou bicicleta.

    Militante de esquerda: indivíduo cujas aplicações dos conceitos de competência e ética, assim como a habilidade de interpretar textos, números e imagens, estão suspensos até que se institua a solução estrutural para os males do universo –o financiamento público de campanha.

    Ajuste fiscal: o que a oposição ataca, quando não é governo.

    Presunção de inocência: o que o governo defende, quando não é oposição.

    Empresário liberal: a depender dos amigos que tiver, pode virar nacional-desenvolvimentista de si próprio.

    Jornalista "independente": se precisa obsessivamente se declarar como tal, as aspas saem do adjetivo e grudam na conduta.

    Movimentos sociais: entidades que, ensinam os manuais políticos em sua comovente ingenuidade, estão aí para fazer barulho sem discriminar contra quem.

    Exército: parafraseando Clemenceau, o futuro democrático sob militares está para a democracia assim como a música militar está para a música.

    Bancos: instituições que usam juros de 12,75% para pagar salários de uns 75,12% dos palpiteiros do debate público.

    Palpiteiros mais divertidos, financiados ou não por bancos: autores ou apoiadores do Plano Cruzado, da Tablita, do Plano Verão, do sequestro da poupança, da sobrevalorização cambial continuada e de outras medidas de sucesso da história recente do país.

    Humanismo: doutrina morta em algum ponto entre o fim do século 20 e o início do 21, cuja presunção de universalismo foi soterrada por demandas de grupos de interesse –algumas legítimas e urgentes, outras ilegítimas e perdidas no tempo, no espaço e na lógica elementar.

    Marketing: ciência capaz de atribuir slogans como "pátria educadora" a um governo que não compra livros para suas bibliotecas e escolas.

    Bancada evangélica: em meio ao problema todo, resolveu protestar contra o beijo gay na novela.

    Sibá Machado: em meio ao problema todo, descobriu que a culpa é da CIA.

    Carmen Mayrink Veiga: esclarecendo um aspecto ainda não percebido do problema, elogiou o terno verde da Dilma.

    Democracia representativa: o que está aí. A frase basta por em si só.

    Alternativas a esse sistema: a história humana está aí. A frase basta por si só.

    Últimos 20 anos: dois blocos disputando cargos. Por algum tempo, em prazos e graus distintos, ambos melhoraram a vida da população. Nos dois exemplos, isso acabou por circunstâncias e escolhas. Entre as escolhas, a de sentar confortavelmente sob a lona e assistir ao circo parlamentarista do PMDB.

    Urna eletrônica: tela com nomes de representantes dos dois blocos, mais um ou outro que não tem chance e que, se tivesse, provavelmente compraria ingresso e bateria palma para o espetáculo.

    Palhaço: quem aperta um dos botões na tela.

    Palhaço que, além de votar nulo ou mal, escreve coluna louvando a própria falta de convicção: espécie de comentarista de portal ao contrário, mas que (não) é levado a sério na mesma medida.

    Amigos: em meio ao que virou o debate público brasileiro, convictos ou não, meu amor por vocês segue incondicional.

    Amor: fogo que arde sem se ver, solitário andar por entre a gente

    Futuro: algo entre a Itália, a Rússia e a Argentina, com toques de "House of Cards" e revisita (sempre) a José Sarney.

    michel laub

    Escreveu até julho de 2015

    É escritor e jornalista. Publicou seis romances, entre eles "Diário da queda" (2011) e "A maçã envenenada" (2013).

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