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    Mirian Goldenberg

    Migalhas

    24/09/2013 02h59

    Escuto, de homens e mulheres que tenho entrevistado para pesquisa, a queixa de que um investe muito mais do que o outro na relação, em termos de amor, dedicação, tempo, cuidado, atenção, escuta, carinho, trabalho e dinheiro.

    Compreender as diferentes formas de troca ou de reciprocidade pode ajudar a refletir sobre os problemas dos relacionamentos contemporâneos. Existem três tipos de reciprocidade: a equilibrada, a generalizada e a negativa.

    Na reciprocidade equilibrada, espera-se uma retribuição equitativa. É uma troca balanceada que se refere a transações diretas entre coisas materiais ou imateriais de valor equivalente. A reciprocidade generalizada tem um caráter aparentemente mais generoso. É, por exemplo, o oferecimento de um presente sem esperar nada em troca. A reciprocidade negativa é a apropriação de algo sem oferecer nada em troca. Ela é marcadamente egoísta e centrada no interesse próprio, já que busca receber algo sem a intenção de retribuir.

    Muitas mulheres afirmam que existe um enorme desequilíbrio entre o dar e o receber nas suas relações conjugais.

    Uma fonoaudióloga de sessenta anos disse: "Sempre fui carinhosa, fiel e totalmente dedicada ao meu marido. Descobri recentemente que ele me trai com prostitutas. Me sinto uma completa idiota por ter investido tanto em um casamento e só ter recebido migalhas".

    Os homens também reclamam. Um advogado de quarenta anos contou: "Minha mulher não trabalha. Eu me mato para dar uma vida confortável para ela, pago empregada e babá, e ela ainda reclama que não ajudo em casa. Ela se faz de vítima, de coitada, diz que se sacrifica para cuidar da casa e do filho. Ela vive como uma dondoca e ainda diz que trabalha muito mais do que eu".

    É muito difícil encontrar um casamento em que exista uma reciprocidade equilibrada.

    O discurso de que o parceiro não faz nada mais do que a obrigação revela a cruel falta de reconhecimento presente em inúmeros casamentos.

    Muitos casais acreditam viver relações amorosas sem reciprocidade, dando muito mais do que recebendo, ou, pior ainda, não recebendo absolutamente nada em troca. Ou, quando muito, recebendo meras migalhas.

    mirian goldenberg

    É antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de 'Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade'. Escreve às terças, a cada duas semanas.

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