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    Mirian Goldenberg

    Cúmplices da violência

    08/04/2014 02h55

    É impossível não comentar a celeuma provocada pela pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

    O instituto afirmou, entre outros resultados, que 87,8% dos pesquisados concordam (total ou parcialmente) que "toda mulher sonha em se casar"; que "os homens devem ser a cabeça do lar" (63,8%); que "uma mulher só se sente realizada quando tem filhos" (59,5%); que "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros" (58,5%); que "tem mulher que é para casar, tem mulher que é para cama" (54,9%) e que "a mulher casada deve satisfazer o marido na cama, mesmo quando não tem vontade" (27,2%).

    As mulheres foram a maioria dos 3.810 pesquisados (66,5% da amostra). O mais chocante foi constatar que grande parte das pesquisadas concordava com frases estereotipadas, preconceituosas e violentas contra as mulheres.

    Apesar das críticas à amostra, à metodologia e à forma como as perguntas foram feitas –e do fato de o Ipea ter errado e afirmado que 65,1% dos pesquisados concordam que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas" (e não 26%, como corrigiu posteriormente)–, o acalorado debate foi importante para refletir sobre a cultura da violência existente no Brasil.

    Tomara que os graves problemas da pesquisa não enfraqueçam a necessária discussão sobre a violência contra a mulher brasileira.

    A realidade cotidiana de inúmeras brasileiras pode ser ainda mais preconceituosa, cruel e violenta do que aquela que foi mostrada pela pesquisa do Ipea.

    É inegável que muitas mulheres ainda aceitam que um homem (ou outra mulher) controle seu corpo, comportamento, sexualidade e roupa. Aquelas que não se comportam ou não se vestem "adequadamente" são estigmatizadas socialmente, apesar de ninguém saber qual é o tamanho "adequado" da saia, do decote ou do biquíni que uma mulher brasileira deve usar para ser respeitada.

    Elas são frequentemente acusadas de serem responsáveis pela violência física, psicológica e simbólica que sofrem.

    Será que, após tantas polêmicas, as mulheres que endossam essas ideias preconceituosas perceberam que estão reproduzindo posturas de submissão feminina e sendo cúmplices da violência que elas também sofrem?

    mirian goldenberg

    É antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de 'Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade'. Escreve às terças, a cada duas semanas.

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