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    Mirian Goldenberg

    Você me perdoa?

    06/10/2015 02h00

    Tenho uma foto antiga na tela do computador. Na imagem, estou no colo da minha mãe. Minhas mãos seguram um balão de gás. Na minha frente, um bolo com quatro velinhas. Todos os dias, antes de dormir e ao acordar, nos momentos em que ligo e desligo o computador, observo atentamente a menininha frágil e assustada.

    Gosto muito da ideia de ter um Dia do Perdão no calendário judaico. Nesse dia, penso em todas as pessoas a quem eu gostaria de dizer: "Por favor, você me perdoa?"

    Ao meu marido. Por não conseguir ser sempre o melhor de mim mesma, pelas brigas sem motivo, pelas reclamações injustas, pelas exigências excessivas, por ser tão infantil, intensa, tensa e ciumenta, por não ser mais compreensiva, carinhosa e gentil, por não reconhecer o seu valor e não agradecer todos os momentos maravilhosos que vivemos juntos. Amor, você me perdoa?

    À minha mãe. Por eu ter saído de casa muito cedo, por ter voltado tão poucas vezes, por não ter sido mais presente, atenciosa e generosa, por não ter contribuído para realizar os seus sonhos, por não ter dado mais alegria a sua vida tão infeliz, por não ter conseguido evitar a infidelidade e a violência do marido, o sofrimento, o câncer e a morte. Mãe, você me perdoa?

    A minhas amigas. Por ser tão ausente, por ser completamente focada no meu trabalho, por gostar de ficar quieta e sozinha em casa, por ser egoísta e não estar sempre disponível. Amiga, você me perdoa?

    Aos meus leitores e leitoras. Por não conseguir ter as ideias inovadoras e brilhantes que gostaria de ter, por repetir alguns temas, por não saber como escrever textos emocionantes que causem algum impacto ou provoquem algumas lágrimas e muitas risadas. Vocês me perdoam?

    Depois de pensar em uma lista enorme, percebi que preciso pedir perdão, em primeiro lugar, a uma menininha de quatro anos.

    Por ser tão exigente, ansiosa, insegura, perfeccionista e insatisfeita, por não escutar com atenção e dar o carinho que toda criança precisa, por não ir aos médicos como deveria, por não passear, viajar e brincar como gostaria, por não conseguir dormir, por não comer direito, por ter tanta culpa, medo e vergonha, por invejar as meninas que são amadas e felizes.

    Mirian, por favor, você se perdoa?

    mirian goldenberg

    É antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de 'Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade'. Escreve às terças, a cada duas semanas.

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