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    Moisés Naim

    Quem está mentindo? Você decide

    22/03/2013 03h30

    Vamos brincar de você ser o juiz que deve decidir quem está mentindo no caso que vou relatar a seguir.

    Em 22 de julho de 2012, numa estrada de pouco movimento perto de Bayamo, Cuba, houve um acidente de carro em que morreram os dissidentes cubanos Osvaldo Payá e Haroldo Cepero. Payá lançou em 2002 o Projeto Varela, petição de cidadãos ao governo cubano para reivindicar mais liberdades políticas e um governo democraticamente eleito. Assinaram 11 mil cubanos, mesmo sob risco de sofrerem retaliações do governo --o que de fato ocorreu.

    O condutor do carro, Ángel Carromero, 27, é um político espanhol, dirigente do Partido Popular. Também estava no automóvel o político sueco Jens Modig. Os dois sofreram ferimentos leves. Nas fotos distribuídas pelo governo cubano, é possível ver o impacto devastador sofrido pela parte traseira do veículo.

    No julgamento de Carromero em Cuba, o promotor pediu sete anos de prisão. O espanhol assumiu a responsabilidade e, num vídeo, afirma que perdeu o controle do carro e que nenhum outro veículo esteve envolvido no acidente. Graças a um tratado entre Cuba e Espanha, foi enviado de volta a seu país, onde terminará de cumprir a pena imposta pela Justiça cubana (quatro anos).

    Uma vez na Espanha, porém, Carromero mudou sua versão. Afirma que seu veículo estava sendo seguido o tempo todo e foi abalroado com violência por trás, num impacto que provocou a morte dos dois passageiros. Conta que foi levado a um hospital e, mesmo sem ferimentos graves, foi fortemente sedado. Dali foi para uma prisão, onde permaneceu em condições infra-humanas. Também fala de interrogatórios agressivos, em que seus carcereiros se enfureciam cada vez que ele repetia ter sido abalroado por trás.

    Carromero relata: "Um deles me disse: 'Você é muito jovem para perder sua vida aqui. O que você conta não aconteceu e, se insistir em sua versão, passará muitos anos preso'. Depois um 'perito' do governo me passou a versão oficial do acidente e me informou que, se eu a confirmasse, não me aconteceria nada. Queria escapar daquele inferno de qualquer maneira, então assinei e gravei o vídeo. Mas foi tudo farsa."

    Modig, já na Suécia, diz que quer esquecer esse pesadelo, que estava dormindo e não sabe o que houve.

    A versão de Cuba: é mais uma tentativa dos EUA e dos inimigos da revolução para fazer crer que um acidente foi, na realidade, um crime político. Segundo o jornal oficial "Granma", "os depoimentos irrefutáveis de peritos e testemunhas oculares, incluindo os dois estrangeiros que participaram do acontecimento trágico", desmentem a insinuação infame de que o regime teria assassinado esses líderes da oposição.

    Afinal, afirma o "Granma", "é conhecida a história imaculada da revolução que triunfou e foi mantida por meio século sem uma única execução extrajudicial, um desaparecido, um torturado, um sequestrado, um só ato terrorista".

    E você, pensa que quem está mentindo? Dê seu veredicto no Twitter.

    moisés naím

    Escreveu até julho de 2013

    Escritor venezuelano, do Carnegie Endowment for International Peace, foi editor-chefe da revista "Foreign Policy".

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