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    Moisés Naim

    Se Snowden fosse equatoriano...

    28/06/2013 03h00

    Em meio a suas vicissitudes, Julian Assange e Edward Snowden podem alegrar-se com a boa sorte em ao menos um aspecto: não são jornalistas equatorianos. Ambos têm sorte pelo fato de o presidente do país prejudicado por seus vazamentos ser Barack Obama e não Rafael Correa.

    O presidente Correa, autoungido protetor dos delatores globais, não vê com bons olhos repórteres equatorianos que denunciam a corrupção e os abusos de seu governo.

    Em 2012, segundo o grupo equatoriano Fundamedios, houve 173 "atos de agressão" a jornalistas, incluindo uma morte e 13 ataques.

    Em 16 de fevereiro de 2012, a relatora especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Catalina Botero, e o relator especial das Nações Unidas para a liberdade de opinião e expressão, Frank La Rue, expressaram preocupação com uma decisão da Corte Nacional de Justiça do Equador.

    No julgamento de três executivos e um jornalista do jornal "El Universo" pela publicação de uma coluna que ofendeu Correa, eles foram sentenciados a três anos de prisão e ao pagamento de US$ 40 milhões.

    A Associação Interamericana de Imprensa descreve nova lei equatoriana de mídia proposta pelo presidente como "o mais grave retrocesso para a liberdade de imprensa e de expressão na história recente da América Latina". O Comitê para Proteger Jornalistas diz: "Esta legislação promulga um objetivo chave da Presidência: amordaçar os críticos."

    No entanto, numa explosão de hipocrisia e de dois pesos, duas medidas, o chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, em discurso na Organização dos Estados Americanos em agosto de 2012, disse: "O asilo concedido ao sr. Assange é a luta pela liberdade de expressão, pelos direitos humanos, a luta para que o asilo seja respeitado em qualquer lugar do mundo". Isso mesmo.

    Sobre um encontro com Assange, ele disse: "Pude lhe dizer cara a cara, pela primeira vez, que o Equador continua firmemente comprometido com a proteção de seus direitos humanos.
    Durante o encontro, falamos sobre as ameaças crescentes à liberdade das pessoas para se comunicar e saber a verdade, que vêm de certos Estados que põem toda a humanidade sob suspeita."

    Seria agradável se o ministro se preocupasse com igual determinação com os direitos humanos e as ameaças à liberdade de expressão de seus compatriotas equatorianos.

    Ao mesmo tempo em que o governo equatoriano agressivamente amordaça seus críticos internos, apresenta-se no palco mundial como campeão do direito de criticar os governos.

    Jornalistas que sofreram com o comportamento agressivo de Correa sabem que a propaganda dele e de Patiño por Assange e Snowden não passa disso --propaganda política vazia e hipócrita.

    E todos sabemos que, por enquanto, os vazamentos alvejaram um governo apenas: o dos Estados Unidos. Aguardamos com grande interesse e expectativa a versão do Wikileaks ou de Snowden sobre as comunicações secretas dos governos russo, iraniano, chinês ou cubano. Ou mesmo do governo equatoriano.

    Tradução de CLARA ALLAIN

    moisés naím

    Escreveu até julho de 2013

    Escritor venezuelano, do Carnegie Endowment for International Peace, foi editor-chefe da revista "Foreign Policy".

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