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    Monica de Bolle

    Abertura econômica é inimiga do povo?

    23/04/2015 02h00

    "Entreguismo" é termo antigo, usado para acusar aqueles que defendem uma maior abertura da economia de serem coniventes com o interesse de grandes empresas estrangeiras. Empresas que "roubam empregos", "inundam os mercados domésticos" retirando das empresas nacionais a fatia que lhes cabe.

    O medo da abertura é onipresente no Brasil, mas não é temor unicamente nacional. Ele existe nos EUA com igual vigor.

    Veja a discussão em torno da ousadia do presidente Obama, a promoção do TPP –o Trans-Pacific Partnership–, o mega-acordo de comércio entre os EUA e 11 países asiáticos. Considere a posição de alguns congressistas democratas, ferrenhos opositores do TPP por acharem que o acordo reduzirá os empregos norte-americanos, o TPP como um "grande inimigo do povo". Há muita carga ideológica no debate sobre a abertura comercial e pouco conhecimento dos fatos, tanto no Brasil quanto nos EUA.

    Abertura ao comércio prejudica os empregos de um país? Em certos setores e empresas que perderam a capacidade de competir internacionalmente, é evidente que a resposta é um redundante sim. Mas, se nem todos ganham com a abertura econômica, no longo prazo ela traz enormes benefícios, como documenta a extensa literatura acadêmica sobre o tema e os inúmeros estudos de caso.

    Pense na Coreia, em Cingapura, em Taiwan. Considere a Índia, a China. Todos esses países alcançaram taxas invejáveis de crescimento por tempo prolongado graças ao seu maior engajamento internacional. O "entreguismo" que atiça os argumentos protecionistas repercute a intensa preocupação com grupos específicos que inevitavelmente haverão de perder com a abertura econômica.

    Protecionistas exortam os governos a impor barreiras comerciais para proteger os empregos, as fatias de mercado das empresas nacionais. Entretanto, o que se sabe é que, quando essas barreiras são impostas, o custo do protecionismo pode ser incrivelmente alto.

    Quando um país adota maiores tarifas de importação para "proteger" os produtos locais, como fez o Brasil em 2012 com a famosa lista de cem produtos que incluía de pneus a produtos siderúrgicos, de materiais de construção a utensílios de cozinha, de plásticos a batatas –sim, batatas–, ele aumenta o custo das empresas que precisam desses insumos para produzir.

    A importação mais cara de pneus prejudica as empresas do setor automotivo; a de material de construção, o setor imobiliário; a de batatas..., bem, ao consumidor, as batatas. Se as empresas compram seus insumos no exterior a preços mais elevados, terão de repassar esses custos para o consumidor ou irão reduzir a produção.

    O corte na produção haverá de afetar não apenas o investimento como também o emprego. Ou seja, o ciclo protecionista se encerra não com a proteção do povo, mas com a perda de empregos, o aumento da inflação, a queda dos investimentos.

    Os argumentos contrários à abertura tendem a ser bem-sucedidos porque, se é fácil enxergar onde empregos serão perdidos devido ao aumento das pressões competitivas, é difícil ver onde novos empregos surgiriam em razão do maior acesso às novas tecnologias e aos novos mercados motivado pelo comércio.

    Mas a realidade é que, ao aumentar os custos dos insumos, o protecionismo permite que firmas estrangeiras do mesmo ramo sejam mais competitivas do que os exportadores domésticos. Desse modo, o protecionismo pune o trabalhador.

    Há ampla evidência de que empresas exportadoras geralmente pagam salários mais altos do que outras firmas (para o leitor interessado, há extensa literatura em www.piie.com). Assim, o trabalhador que poderia encontrar um emprego bem remunerado numa indústria exportadora cuja tendência seria de se expandir na ausência de medidas que limitam o comércio encontrará dificuldades devido ao protecionismo. Ou seja, os custos de fechar-se são especialmente perniciosos, pouco visíveis para o povo.

    A resposta, portanto, é que a abertura econômica não é "inimiga do povo". Ela tende a facilitar o futuro, enquanto o protecionismo tenta reconstruir o passado. Fica a cargo do leitor o julgamento sobre o que é melhor para o Brasil.

    monica baumgarten de bolle

    Escreveu até setembro de 2015

    É economista. Na coluna, tratou das grandes discussões econômicas internacionais adaptadas ao contexto brasileiro.

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