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    Monica de Bolle

    Produtividade não é maná dos céus

    30/04/2015 02h00

    Muito se fala da falta de produtividade dos países latino-americanos, em comparação com seus pares emergentes. O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) acaba de lançar livro intitulado "Rethinking Productive Development" –não é preciso ir além das páginas iniciais para encontrar o diagnóstico: diante da produtividade baixa da América Latina, às políticas públicas cabe o papel de resgatá-la.

    Diagnóstico semelhante foi elaborado por José De Gregorio (ver "From Rapid Recovery to Slowdown: Why Recent Economic Growth in Latin America has been Slow", Peterson Institute for International Economics).

    Em comum, esses estudos argumentam que a produtividade não é maná dos céus: é preciso construir as condições para que as economias se tornem mais produtivas.

    A quem cabe essa responsabilidade? O livro do BID –que ainda não terminei de ler– insiste na criação de instituições que fomentem a produtividade, ou seja, no papel do governo como agente indutor da maior eficiência econômica.

    Contudo, um rápido passar de olhos pela região sugere que instituições todos nós as temos de sobra -o Brasil com seu BNDES, os países andinos com sua CAF (Corporação Andina de Fomento), e por aí vai.

    O que parece faltar a todos nós, latino-americanos, é uma visão clara acerca do papel dessas instituições: lá estão para substituir mercados ou para incentivar o surgimento de mecanismos que promovam o desenvolvimento econômico? Isto é, deveriam ser essas instituições protagonistas do desenvolvimento ou agentes facilitadores desse processo, encarregadas apenas do desenho de incentivos para promover a eficiência, melhorar o ambiente de negócios, aprofundar os mercados de capitais?

    Pense no BNDES. O banco tem entre seus principais clientes as maiores empresas do país. Segundo um relatório recente do FMI, 41% da carteira de empréstimos do BNDES atende as dez maiores companhias brasileiras.

    Considere as implicações disso: não só o BNDES está direcionando recursos para quem tem acesso aos mercados privados de capitais, impedindo que esses empréstimos atendam às pequenas e às médias empresas, como essa atuação gera graves distorções.

    A mais importante é que a concessão de crédito subsidiado para quem poderia recebê-los do mercado –sem subsídio, é verdade– segmenta o mercado de crédito de forma prejudicial à economia.

    A política monetária, por exemplo, não consegue influenciar parte relevante da demanda por crédito, limitando o papel dos juros no combate à inflação. Além disso, ao emprestar para as empresas com melhor perfil de risco –afinal, são as maiores do país–, o BNDES cria uma espécie de seleção adversa: sobram para os bancos privados empresas com risco maior, para as quais têm de cobrar taxas de juros mais elevadas.

    A reformulação do papel do BNDES é um passo no longo caminho de resgate da produtividade brasileira –o governo parece empenhado em tomá-lo. É disto que a região precisa: instituições de desenvolvimento que cumpram seu verdadeiro papel, não de instituições que ocupem espaços indevidos.

    monica baumgarten de bolle

    Escreveu até setembro de 2015

    É economista. Na coluna, tratou das grandes discussões econômicas internacionais adaptadas ao contexto brasileiro.

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