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    Monica de Bolle

    Cortando a carne e o osso

    04/06/2015 02h00

    "Brasil, Pátria Educadora é a carne para o osso do Plano Nacional de Educação", disse o ministro da Educação poucos dias após o governo anunciar contingenciamento de R$ 9,4 bilhões para o orçamento do MEC.

    O preço do petróleo, cuja exportação seria fonte principal de receita para financiar os investimentos na área, tampouco está ajudando: depois da queda acentuada desde o fim de 2014, a cotação da matéria-prima nos mercados internacionais anda estável. Pelo visto, "Brasil, Pátria Educadora" será carne retórica para osso virtual.

    Lembro-me de quando li, em 2012, que a extraordinária redução da desigualdade na América Latina entre 2003 e 2013 havia resultado, em parte, da queda dos retornos à educação. Explico: o retorno à educação mede a diferença salarial entre os trabalhadores de maior e menor escolaridade. Quando os retornos caem, quando há compressão salarial, as diferenças de remuneração entre os que têm mais anos de estudo e os que têm menos diminuem. Essa queda afeta a desigualdade.

    Alguns estudos documentam que, na América Latina, mais da metade da redução da desigualdade ocorrida nos últimos anos é explicada por esse efeito. Tendência semelhante foi identificada no Brasil por Ricardo Paes de Barros aproximadamente na mesma época.

    Desde então, muitos têm se debruçado sobre o tema, tentando compreender as causas da compressão dos salários na América Latina, tendência desalinhavada com o resto do mundo, como atestam estudos recentes para os Estados Unidos e para a Europa. A queda dos retornos à educação é algo bom ou ruim? A resposta é menos óbvia do que parece.

    Suponhamos que pessoas com mais escolaridade, porém provenientes de famílias de nível socioeconômico inferior, estejam ingressando no mercado de trabalho formal em maior peso e que, por alguma razão, esses indivíduos aceitem receber salários mais baixos do que seus pares oriundos de famílias mais abastadas.

    Nesse caso, a compressão salarial ocorrerá por um bom motivo –ela será reflexo natural da maior inclusão no mercado de trabalho. Contudo, é igualmente possível que a compressão resulte de uma redução da demanda por pessoas mais qualificadas –isso significa que a economia está gerando mais empregos que requerem pouca escolaridade em relação aos que exigem mais anos de estudo.

    Tal constatação é ruim: uma maior demanda relativa por pessoas menos qualificadas reduz a produtividade e as perspectivas de crescimento econômico. Não há resposta definitiva para a América Latina, tampouco para o Brasil.

    No entanto, as evidências sugerem que, no nosso caso, como no de outros, o aumento da oferta de postos de trabalho nos setores de serviços que exigem menos qualificação explica boa parte da compressão salarial que impulsionou a queda da desigualdade no país ao longo dos últimos anos. Ou seja, a Pátria Educadora diminuiu as disparidades de renda desincentivando o investimento individual em educação.

    Como incentivar o investimento individual em educação? Como motivar os jovens a exigir melhor qualidade do ensino? Como remunerá-los à altura? Como elaborar um Plano Nacional de Educação sem diagnóstico sobre as causas da queda do retorno à educação? Eis as perguntas que empalam o osso, a carne e o cérebro.

    monica baumgarten de bolle

    Escreveu até setembro de 2015

    É economista. Na coluna, tratou das grandes discussões econômicas internacionais adaptadas ao contexto brasileiro.

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