Com narigão e queixo pontudo falsos, Heloísa Périssé, 46, lê em voz alta trechos de um livro com mensagens bíblicas para três colegas nos bastidores do musical "O Mágico de Oz", no camarim do teatro Alfa, em SP.
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Faltam menos de cinco minutos para o espetáculo começar. "Experimente. Converse com Deus agora", sugere o texto. A atriz, frequentadora da Igreja Presbiteriana há mais de dez anos e leitora da Bíblia, repete a frase com ênfase, em pé, cercada por um ator, uma maquiadora e a copeira. Não é a primeira vez que ela faz um culto na coxia.
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O livro afirma que Deus "ama quem pratica justiça". "Viu o que eu falei antes? Deus não é bom nem mau. Deus é justo", diz ela ao repórter Joelmir Tavares.
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Quase irreconhecível, Lolô (para os amigos) ou Nega (para a família) vai virar, no palco, a malvada senhora Gulch do musical. O nariz e o queixo postiços são parte do figurino da personagem e da divertida Bruxa Má do Oeste, também vivida por ela.
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Com um pingente que representa o Espírito Santo no colar, a carioca, que passou a adolescência em Salvador, afirma ser contra a "fé cega". "Não me defino como evangélica, não quero denominações. Digo que sou de Jesus."
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Ergue os braços diante do espelho ao falar que "Deus também é a graça. A graça de Deus, né?". E diz que a religião "só ajuda" na carreira. "Quando paro nessa fonte, a graça vem de uma forma divina. Você pode fazer graça sem ser ofensiva, apelativa."
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Fã do ex-sogro, Chico Anysio (foi casada com seu filho Lug de Paula), com quem trabalhou na "Escolinha do Professor Raimundo", e de Dercy Gonçalves, que interpretou na minissérie "Dercy de Verdade", Heloísa acredita que o humor é, sim, politicamente incorreto. Mas deve ter limites. "Tem que ser como sexo: bom para ambas as partes. Vale tudo, desde que combinado."
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É "tarada, neurótica, doente" por dieta. Mas ataca o pote de balas jujuba na recepção do hotel onde fica, no Itaim. Doces são seu ponto fraco? "Menino, meu fraco é tudo."
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Conta que muita gente ri só de olhar para ela. "Já está no inconsciente coletivo que eu sou engraçada. Se as pessoas começassem a cortar os pulsos, aí eu ia ficar mal. Mas riso, tá tudo certo."
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Na noite anterior, a atriz reuniu colegas de "O Mágico de Oz" em seu quarto de hotel para a primeira leitura em público do texto da peça "E Foram Quase Felizes para Sempre". O monólogo, escrito por ela, tem estreia marcada para junho, no Rio. No mesmo mês, a comediante estará nos cinemas com "Odeio o Dia dos Namorados", do diretor Roberto Santucci.
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As discussões se estenderam até as 2h. Luiz Carlos Miele, 74 ("um fofo, uma figuraça") sugeriu que ela se desdobre em mais personagens. "O Brasil tem muitas boas atrizes, mas poucas comediantes capazes de criar tipos como você. O público espera isso", aconselha o cantor e ator.
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"Nego quer rir, não adianta. Nego quer rir", responde ela, com a mão no queixo, na coxia do teatro Alfa. "Ontem foi o 'aperto das porcas'. Foi providencial. Porra, me veio tanta coisa à cabeça!"
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O monólogo virá para SP em 2013, depois que ela terminar "Joia Rara", próxima novela das seis. "Eu aaamo São Paulo. A forma como o paulistano trata a arte é sensacional. Os artistas vivem de teatro. Não precisa ser famoso. Basta ser bom." Diz que gostaria de estrear a montagem na capital paulista. Mas precisa voltar para o Rio, onde mora, depois de ficar três meses na ponte aérea. E entoa: "Não posso ficar nem mais um minuto com vocêêê...".
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Única do elenco de "Oz" que não canta em cena, ela afirma que soltaria a voz no palco sem problema. Em 1998, quando morava nos EUA, protagonizou um espetáculo do gênero. Na época, mostrou a Chico Anysio uma fita com suas cenas. "Ele falou: 'Você é uma grande...' Aí já me inflei para receber o elogio. E ele: 'Cara de pau'. [risos] Mas esse já é um bom começo. Tem que tentar."
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Na TV, após o fim do humorístico "Sob Nova Direção", em 2007, migrou para as novelas. Fez "Cama de Gato" (2009), "Cordel Encantado" (2011) e, o maior sucesso, "Avenida Brasil" (2012), como Monalisa. "Meus papéis foram subindo. Uma loucura."
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Ao relembrar Monalisa, reflete: "A mulher no subúrbio ainda tem tempo de ser a mãezona, de fazer bolinho... Vou te falar: às vezes sinto falta de ser mulher. Na boa, sabe? Se a mulher não prestar atenção, vai perder seu posto. Daqui a pouco, está um estivador do cais do porto!".
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Olhando para o espelho do camarim, ergue a sobrancelha esquerda e diz que não descarta fazer plástica nem aplicar "botox". Mas teme os exageros. "Fico brincando: parece um banheiro com Bom Ar, né? Tem hora que é melhor deixar como está." E segue: "Se uma atriz direciona a carreira para ser a gostosa, vai ter um tempo mais curto de profissão. Se ela canaliza para o talento, é uma profissão infinita. Sempre vão precisar de uma vovó."
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Contratada da Globo como roteirista e atriz, diz que quer ser autora de novela. "Quero tudo. Escrever novela, livro, peça, filme. E atuar." Toda frase sobre projetos é finalizada com um "se Deus quiser". Porque "o homem faz planos, mas a palavra final é de Deus".
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Sonha também em emplacar uma turnê nacional "de despedida" do espetáculo "Cócegas", que fez com Ingrid Guimarães por dez anos, e que, com intervalos entre as temporadas, foi apresentada pela última vez em 2011. "Porque realmente não dá mais para fazer Tati, né, meu amor? Nem mãe da Tati daqui a pouco está dando", diz sobre a adolescente, um de seus papéis mais famosos.
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Heloísa era uma das donas da peça e cuidava do dinheiro. O sucesso permitiu que ela comprasse um apartamento e, depois, a casa no Rio onde mora com seu terceiro marido, o diretor Mauro Farias, 56, e as filhas Luiza, 13, e Antônia, a Tonton, 5.
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O casal, junto desde 2003, teve uma breve separação em 2009. Ela se arrepende até hoje de ter ido espairecer em um cruzeiro temático da Disney com as filhas. "Tudo era musiquinha, dança. E eu não estava naquele clima, pô. No fim estava quase cuspindo na Cinderela, socando a cara do Mickey." Após a crise, Heloísa e Mauro passaram a dividir as senhas do telefone e e-mail. "Ele sabe da minha vida, e eu sei da dele. E o que um não quer que o outro saiba, apaga, né?"
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Mauro dirigiu a mulher em "Sob Nova Direção" e no longa "O Diário de Tati" (2012). O filme demorou seis anos para estrear e levou 206 mil espectadores aos cinemas. "Eu não queria na minha carreira a mácula de não ter o filme lançado. Dentro do que foi, foi sensacional."
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Heloísa parece feliz. "Sou alegre. Felicidade é passageira. Alegria é alegria de Deus. A Bíblia fala mais em alegria do que em felicidade."
Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.