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    Mônica Bergamo

    Costanza Pascolato diz ter desligado a chave das paixões e do sexo

    DE SÃO PAULO

    16/02/2014 03h00

    Os quadros flamengos do século 16 e os tapetes herdados da mãe, dona Gabriella, assim como os móveis robustos, são "restos de várias casas italianas", diz Costanza Pascolato à repórter Eliane Trindade enquanto posa para fotos na sala de seu apartamento em Higienópolis.

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    A dona da casa repousa as pernas em um apoiador de pés na forma de um porquinho de couro inglês. Herança do avô. Tudo ali é antigo, tem história, mas flertando com a a atualidade, sinalizada pelos livros de arte e moda sobre a mesa de centro.

    É como seu guarda-roupa. "Sou craque em usar tudo o que é vintage e bom. E atualizar com uma bobagem, um acessório", diz a autora de "O Essencial - O que Você Precisa Saber para Viver com Mais Estilo" (editora Jaboticaba), a versão atualizada de seu manual de estilo, que acaba de ser relançado.

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    Unanimidade quando se fala em elegância, Costanza prefere um outro adjetivo para definir o seu estilo clássico: constante. "A consistência na maneira de viver e fazer escolhas", define.

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    Aos 75 anos, ela prefere viver sozinha. Arquivou as grandes paixões e abdicou do sexo diante da "perda do frescor". A seguir, trechos de uma conversa com a papisa da moda brasileira, para quem luxo é "saúde e tempo".

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    O CÂNCER

    "Tive câncer duas vezes. O Drauzio [Varella, médico e colunista da Folha] me xinga quando digo isso: toda vez que perco alguém que amo, adoeço. O primeiro apareceu após perder meu segundo marido, o Giulio, aos 58 anos. O outro, depois que minha mãe morreu, aos 93, há três anos. Fiz as contas. Passados dois anos e pouco, as calcificações [nas mamas] cresceram."

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    "Foi muito pior na primeira vez. Só o nome já era um terror. Eu tô falando de câncer 20 anos atrás, quando não se tinha tanto conhecimento. A primeira vez foi monstruosa. Era um fantasma. Quando se entende melhor, não se sofre tanto. Não tem desespero."

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    "Fiz duas quadrantectomias [cirurgia para retirada de um quadrante da mama]. Numa idade que já tinha desistido da ideia de casar de novo. Mexer no seio é uma coisa fortíssima para a mulher. Mas já não tinha aquele temor de ficar menos interessante para o marido. Disse ao médico que preferia sobreviver do jeito que fosse: 'Se quiser arrancar tudo, pode'."

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    "Não sei se o caso da Jolie [Angelina, atriz que retirou as mamas preventivamente] foi exagerado ou não. Ela gosta de ser heroína dentro da própria vida. Acho complicado, ela é jovem, está com aquele moço [Brad Pitt, o marido]. Talvez, para algumas mulheres, possa ser interessante para evitar ter a doença."

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    AMORES

    "Giulio [Cattaneo, italiano] foi o grande amor da minha vida. É nas grandes paixões que você se constrói. Ficamos juntos 21 anos. Ele tinha um defeito congênito no coração, que eu não fazia ideia, e morreu no meu colo. Foi horrível [se emociona]. Penso nele todos os dias. O tempo todo me refiro a ele. É uma presença."

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    "Depois, eu me apaixonei de novo por um personagem fora do meu mundo, o Nelsinho [Motta, escritor e produtor musical]. Foi muito legal. Sofri pra burro quando decidi que ia embora. Entendi que tinha chegado ao fim. Meu frescor estava acabando antes do dele. A questão era mais física mesmo. Eu não suportava mais o confronto físico, essa decadência minha, sabe? Além de os hormônios também terem ido embora. Ficou o afeto, mas o sexo não rolava de jeito nenhum."

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    "Não sentia mais paixão por nada. Foi claro pra mim, quando mudou essa chave do sexo. Parece que desligou uma tomada. Vendo filmes, com tudo exposto, eu penso: gente, fiz tudo isso aí [risos]."

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    "Deus me livre de casar de novo. Gosto de viver sozinha. Sempre tive umas histórias. Agora, eu me apaixono teoricamente. Aquela coisa de salão literário do século 19. É intelectual. Continuo seduzindo e me deixando seduzir, mas não quero nada com ninguém. E tem gente interessada, incrivelmente. Mas fico aflita. Minha prioridade não é essa. Durante a juventude e boa parte da vida, eu me atrapalhei priorizando as paixões.

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    ESTAR NA MODA

    "Não é preciso fazer esforço para estar na moda. Você tem que entender o seu tempo. Saber acompanhar, se interessar. No momento em que você não entende mais o seu tempo, fica cristalizado ali."

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    "Eu não tenho Facebook, só Instagram. Nasci lá atrás. Então, faço um esforço para colocar alguma foto minha para saberem que o perfil é meu mesmo. As pessoas não têm noção de quanto o exibicionismo pode ser letal. Minha vida é quase pública, não faço grandes segredos, mas detesto mostrar as intimidades. É uma neurose essa coisa 'a mídia sou eu': vou fotografar minha unha, minha orelha. Acho chato, cafona. Eu não olho."

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    "Os blogs de moda também são um fenômeno formidável. Aqui e no mundo. As blogueiras são modelos a serem copiados, com as quais as meninas se identificam. Elas resolvem tudo para suas seguidoras. Elas se fotografam e mostram o que vestem, comem, como malham... Montam o look todo. Facilitam."

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    "Respeito algumas blogueiras. Porque elas representam um movimento. Eu prefiro isso do que copiar personagem de novela. É mais interessante e inteligente. E todas conseguem fazer algum tipo de business."

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    BRASIL FASHION

    "A roupa brasileira é cara e malfeita. O fio é caro, o tecido também. Tem muito imposto. Além do custo, falta técnica. Os americanos fazem melhor. Os italianos, divinamente. E os chineses aprenderam importando os italianos. A nossa cadeia produtiva ainda é muito crua."

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    "A classe média e média alta vai para Miami comprar. Mas o Brasil é gigantesco. Na fábrica [tecelagem Santaconstancia, de propriedade de sua família], temos sete segmentos, entre eles o da 'periguete'. É a moda das poderosas. Lógico que entramos nesse nicho. É o que vende."

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    "Eu até ganhei o disco da Anitta [funkeira], de tanto que estudo ela. Anitta é business. Sempre produzimos stretch [tecido elástico], mas agora as cores são mais exuberantes. As estampas, tridimensionais [risos]. E ainda tem brilho por cima. Uma coisa espantosa, mas tudo bem. Vende tudo."

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    SER COSTANZA É...

    "Elegância é adequação. Só uma imagem muito consistente e assinada de acordo com o que você vive será capaz de se cristalizar como estilo. Tem a ver com acompanhar um certo tipo de raciocínio o tempo todo. O cabelo pode ser diferente, a idade também. Mas permanece a consistência na maneira de viver e de fazer escolhas. Eu sou constante."

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    "Dentro do universo da minha idade, eu tô ótima. O meu problema não é envelhecer. Todo mundo diz: 'Você tá linda'. O que me preocupa é não ter mais energia. Adoro trabalhar. Ficar doente é realmente algo que me alucina. Tenho 400 tipos de doença autoimune, que vou desenvolvendo alegremente. Por isso, me cuido. Obviamente, você não é onipotente e não vai adiantar muito."

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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