• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 02:19:51 -03
    Mônica Bergamo

    Morte de Eduardo Campos e eleições expõem fissuras na família Arraes

    26/10/2014 02h00

    A campanha eleitoral deste ano deixou exposta a ferida aberta na família política mais tradicional de Pernambuco depois da morte do ex-governador e presidenciável Eduardo Campos, em agosto.

    *

    Ele era o herdeiro inconteste do legado político de seu avô, Miguel Arraes, cassado e expulso do país pela ditadura militar. Foi escolhido diretamente por ele, um mito cujo nome é capaz, ainda hoje, nove anos depois de sua morte, de canalizar votos para as urnas eleitorais.

    *

    Campos desapareceu e surgiu a pergunta: quem será o legatário principal do espólio político de Arraes? A disputa está em curso.

    De um lado, estão a viúva de Campos, Renata, e os filhos. Eles têm a força do legado do próprio pai. Têm um aliado, Paulo Câmara, eleito para o governo do Estado. E ainda a capacidade de mobilizar milhares de eleitores em torno da lembrança do pai, morto no auge da vida de forma trágica em um desastre de avião. Antônio Campos, o Tonca, único irmão de Eduardo e neto do Arraes, apoia a cunhada e os sobrinhos.

    *

    Em oposição a eles surge outra Arraes: Marília, neta de Miguel Arraes e prima de Eduardo –o pai dela, Marcos, é irmão de Ana Arraes, mãe dele e de Tonca. Ela se apresenta sozinha na arena. Vereadora, coloca-se como defensora das bandeiras progressistas do avô socialista.

    *

    Não tem tantos votos nem poder oficial –mas consegue fazer barulho. Nesta eleição, potencializou a fissura no clã ao se colocar contra o apoio da viúva de Eduardo Campos e de seus filhos ao presidenciável tucano Aécio Neves. Ela declarou voto na petista Dilma Rousseff. "Não vi a família Arraes lá [no palanque de Aécio]. Eu vi a família Campos, o núcleo familiar de Eduardo. A família Arraes não se pronunciou. Então, não se pode colocar que os Arraes estão com Aécio. É insensatez ou leviandade", disse à repórter Eliane Trindade.

    *

    O primo rebate. "A minha posição pessoal, a de Renata e dos meus sobrinhos e a da maioria da família Arraes, não a unanimidade, é de apoio a Aécio", afirma Tonca. Ele é presidente do Instituto Miguel Arraes, mas não se coloca como porta-voz da família. "Você pode perguntar aos meus tios, você pode perguntar à minha avó."

    *

    Magdalena, a segunda mulher de Arraes e mãe de dois de seus dez filhos, compareceu a ato da campanha tucana no Recife no dia 11, mas não fez discurso nem dá entrevistas. "Minha avó, que vai fazer 86 anos em dezembro, foi usada. Eu prefiro não expor ela mais do que já foi exposta pelo PSDB e pelo PSB de Pernambuco. Foi demais", afirma Marília.

    *

    Tonca diz que a adesão da avó foi espontânea. "Cheguei ao ato com Magdalena Fiúza Arraes. Essa, sim, pode falar em nome de Miguel Arraes de Alencar. Tem autoridade. Para ela, eu me curvo."

    *

    O racha familiar não é admitido. Tonca diz que a posição de Marília é "isolada", "pessoal". "Eu não me arvoro em falar em nome do meu avô. Quando falo em nome dele, peço autorização aos meus tios, converso com a família. Tenho um cuidado enorme." Ele frisa que existe "unidade" e conta que dois tios teriam mandado uma carta para Marília pedindo para ela não envolver "o nome da família toda em disputas eleitorais".

    *

    "Respeitamos a posição da Marília, mas ela não poderia falar em nome da família Arraes, como eu também não estou falando", diz o irmão de Eduardo. "Sem entrar no mérito da decisão política dela, tenho uma profunda discordância pela forma como vem se posicionando."

    *

    Discursos de Arraes foram usados por sua neta para fazer campanha para Dilma nas redes sociais. Marília postou um vídeo do avô desancando o governo Fernando Henrique Cardoso. "País forte tem que ter moeda forte, mas não pode ter uma sociedade injusta... As enormes dificuldades que a população está enfrentando são de responsabilidade da política econômica do governo federal", declarou ele, na campanha de 1998.

    *

    Tonca relativiza o apoio atual ao PSDB. "A história é dinâmica", diz. "Quem ganhar o clássico eleitoral Dilma x Aécio tem que ter a grandeza de tentar unir o Brasil." Diz que a amizade com Lula está preservada. "Tenho respeito e admiração por ele, que não é candidato. Nossa relação pessoal extrapola eventual disputa eleitoral."

    *

    Primogênito de Arraes, José Almino, 68, não toma partido nas eleições nem no círculo familiar. Prefere não comentar pontualmente as divergências. "Não estou participando da campanha eleitoral, então não tem nenhum sentido opinar ou me colocar como intérprete de coisas que são ligadas a um passado."

    *

    Almino mora no Rio, assim como o irmão, o diretor Guel Arraes. Já Ana Arraes, que é ministra do TCU, vive em Brasília. Os outros seis irmãos estão em Pernambuco. "Somos nove filhos vivos e estamos próximos. Há um movimento sempre de coesão, como houve durante a doença do nosso irmão, que morreu há quatro anos. E agora estamos sob a comoção da morte de Eduardo."

    *

    O sociólogo evoca o espírito de clã. "Temos essa coisa de exilado, de ficar juntos. De união nas coisas privadas. Tenho respeito pela política, mas não necessariamente temos que ficar juntos sempre."

    *

    A sobrinha Marília relata como se deu a ruptura e o seu isolamento no PSB de Pernambuco. "Desde 2012, eu vinha criticando a falta de democracia do partido e a aliança com o ex-governador Jarbas Vasconcelos, que não foi bem digerida por ninguém."

    *

    Para acomodar o PMDB de Jarbas, ela acabou deslocada para a Secretaria da Juventude do Recife. Seu suplente, um peemedebista, assumiu o cargo. Marília não gostou. Queria disputar a presidência da Câmara Municipal. Depois, tentou se lançar a deputada federal pelo PSB. O projeto também foi abortado.

    *

    As lideranças do Estado reconhecem nos filhos de Campos, e não em Marília, o potencial de levar adiante a herança política do avô. "Eles subiram em palanque, viveram a campanha eleitoral dando continuidade à luta do pai", diz o prefeito do Recife, Geraldo Júlio (PSB-PE).

    *

    "Essa nova geração poderá despontar e terá apoio do tio", emenda Tonca, que não descarta também entrar na briga, "desde que meu projeto político não seja colidente com o dos meus sobrinhos".

    *

    Marília Arraes diz que é "prejudicial se falar em legado. Parece que estão tentando instituir uma monarquia no Estado, como se existisse uma herança política que vai automaticamente para os descendentes".

    *

    "Aprendi com o meu avô. Ele não dava as coisas às pessoas", diz Tonca. "Elas tinham sempre que conquistá-las. Esse foi o legado que Miguel Arraes deixou."

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024